VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 97 Bálint Urbán DOI: 10.4312/vh.31.1.97-118 Eötvös Loránd Tudományegyetem Uma estética de força – os Apontamentos para uma estética não aristotélica e o pensamento estético de Fernando Pessoa Palavras-chave: estética, Modernismo, Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Aristóteles O presente estudo centra-se na teoria estética de Fernando Pessoa e na posição dos Apontamentos para uma estética não aristotélica do heterónimo Álvaro de Campos no sistema estético do autor português. Partindo da questão da diversidade do pensamento estético de Pessoa, procura-se, por primeiro situar o texto no corpus pessoano de reflexões teóricas sobre a arte, para depois apresentar como é que o curto ensaio entra em contato tanto com o ideal estético de Nietzsche, como com a estética de choque das vanguardas, subvertendo as categorias principais da Poética. Apontamentos para uma estética não aristotélica, sem qualquer dúvida, constitui um dos textos axiais do pensamento estético de Fernando Pessoa que, nas palavras de Jacinto do Prado Coelho, nos enfrenta com uma «excecional individualidade» (1994: xvii), tendo em conta não só a complexidade e a diversidade do ideário estético pessoano, mas também as suas ambiguidades e incongruências inerentes. O presente estudo, partindo da questão da ambivalência das reflexões pessoanas sobre a arte e a literatura, procura, em primeiro lugar, situar o ensaio Apontamentos para uma estética não aristotélica no discurso do pensamento estético do poeta português para depois analisar a genealogia das filiações literário-filosóficas do texto e comparar a sua argumentação com os princípios básicos da Poética. Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 97 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 97 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 98 1 O sistema estético pessoano Alexandra M. Pires, num estudo intitulado Strength, Contemplation, and Disquiet: Towards a Corporeal Aesthetic of the Heteronyms (2007: 52), realça que a diversidade das doutrinas estéticas do corpus pessoano tem a ver principalmente com o fato de que o pensamento estético do poeta segue a lógica da própria heteronímia – ou seja, como os heterónimos não só representam linguagens e discursos poéticos diferentes, mas, ao mesmo tempo, correspondem a cosmovisões e posturas filosóficas divergentes, verifica-se também uma certa variedade no terreno das ideologias estéticas. Desta forma até se pode falar de vários sistemas estéticos [aesthetic systems] dentro da obra pessoana que, muitas vezes, se caracterizam por discrepâncias marcantes e representam um certo tipo de incompatibilidade. Na leitura de Georg Rudolf Lind, até se pode descobrir uma conceção estética de certa unidade em Pessoa. Porém, falta uma sistematização totalizante das ideias, dado que os textos que se concentram nas possibilidades da criação e da receção artísticas se encontram não só cronologicamente dispersos na obra, mas também divididos entre vários heterónimos e Pessoa ortónimo (1994: x-xi). Considero problemática a tese da «unidade escondida do pensamento estético de Fernando Pessoa», exposta por Lind (1994: x), dado que é mesmo a falta da unidade e o caráter contraditório que faz desse pensamento um discurso excecional que combina com o princípio da pluralidade desconcertadamente moderna da ideia e da prática da heteronímia (Vila Maior, 2023: 212). Acho igualmente discutível a afirmação de Jacinto do Prado Coelho, segundo a qual «a doutrina estética do autor não corresponde à perturbante modernidade da sua poiesis, onde a palavra e o ser estão permanentemente em jogo» (1994: xxxiv), dado que, no meu ver, a doutrina estética pessoana espelha com a sua heterogeneidade a própria modernidade perturbante da heteronímia. Como a obra pessoana, enquanto universo da alteridade, da multiplicidade e da divergência permanente, está repleta de antagonismos – basta só pensar nos binómios nacionalismo/cosmopolitismo, futurismo/neoclassicismo, racionalismo/loucura, imanência/transcendência – o pensamento estético do autor também não pode ser isento de incongruências internas. Grosso modo, podemos distinguir duas linhas principais nos sistemas estéticos pessoanos. Em primeiro lugar, verifica-se a presença de uma visão estética racionalista e intelectualista que, por um lado, se alimenta da tradição interpretativa da Poética cuja história vai desde a antiguidade até à Renascença e ao Classicismo e Neoclassicismo. E, por outro lado, baseia-se no discurso da estética como Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 98 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 98 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 99 disciplina moderna e autónoma e das suas primeiras grandes sistematizações nas obras de Baumgarten, Kant e Hegel. Estes filósofos do idealismo alemão não só contribuíram para a emancipação da estética – como ramo autónomo e autêntico da filosofia ocidental, ajudando a definição da sua metodologia e dos seus objetivos –, mas também elaboraram, à base da lógica sistematizadora do Iluminismo, os primeiros sistemas estéticos modernos com as suas respetivas taxonomias e terminologias. 1 Em segundo lugar, descobre-se uma tendência alternativa que, de uma certa forma, constitui o próprio contraponto da primeira, e cujas origens remontam às reflexões dos românticos – principalmente os irmãos Schlegel e Novalis –, ao ideário estético de Kierkegaard e, sobretudo, de Nietzsche, representando uma abordagem menos racional que questiona os princípios da razão moderna. O desmoronamento da razão instrumental e categorial que se verifica na obra destes filósofos e, mais marcadamente em Nietzsche, implicou a defesa de uma (ir)racionalidade alternativa, mais vital, mais paradoxal e mais poética – e tudo isso reverberou em Pessoa e em vários textos seus, tanto poéticos como filosófico-estéticos (Cardiello, 2016: 106). A propósito dessa dualidade do pensamento estético pessoano, João Ferreira sugere que é possível aplicar a dicotomia nietzschiana do apolíneo e dionisíaco do Nascimento da Tragédia para a estética do autor português, uma vez que essa se divide numa abordagem mais intelectualista-racionalista e numa tendência vitalista e não intelectualista (1995: 71). Se aceitarmos as propostas de Ferreira, além do binómio apolíneo-dionisíaco talvez seja mais oportuno aplicar o dualismo pensamento aristotélico e não aristotélico para a estética pessoana. Porém, a semântica dos termos aristotélico e não aristotélico tem de ser entendida dentro de um sentido metonímico, ou seja, como uma trans- ferência de denominação. Ao falar de estética aristotélica e não aristotélica, Fernando Pessoa não está fazendo, rigorosamente, uma exegese de textos aristotélicos e sim, metonimicamente, estabelecendo uma relação de sentido entre a tendência históri- ca de teor intelectualista (…) e a tendência dele contemporânea, (…) de teor vitalista não intelectualista. (Ferreira, 1995: 71) Ora, a linha aristotélica da ideologia estética pessoana tem a ver com uma forte vontade de ultrapassar o romantismo com seus os excessos estilísticos e a subjetividade transbordante da literatura romântica. Na famosa carta 1 O fato de que os três autores publicaram tratados holísticos que levam como título o próprio nome da disciplina – estética ou, no caso de Kant, Crítica da Faculdade de Julgar – corrobora a sua posição fundadora no cânone do pensamento moderno sobre a arte. Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 99 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 99 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 100 escrita a José Osório de Oliveira, Pessoa reconstrói o processo da sua evolução intelectual, destacando as tendências e os autores mais marcantes na história do seu próprio Bildung literário. Em minha infância e primeira adolescência houve para mim, que vivia e era educado em terras inglesas, um livro supremo e envolvente — os «Pickwick Papers», de Dickens; ainda hoje, e por isso, o leio e releio como se não fizesse mais que lem- brar. Em minha segunda adolescência dominaram meu espíri- to Shakespeare e Milton, assim como, acessoriamente, aqueles poetas românticos ingleses que são sombras irregulares deles; entre estes foi talvez Shelley aquele com cuja inspiração mais convivi. No que posso chamar a minha terceira adolescência, passada aqui em Lisboa, vivi na atmosfera dos filósofos gregos e alemães, assim como na dos decadentes franceses, cuja acção me foi subitamente varrida do espírito pela ginástica sueca e pela leitura da «Dégénérescence», de Nordau. (Pessoa, 1986: 325) O Romantismo e a continuação da sua herança nas tendências finisseculares, apesar de ter desempenhado um papel considerável na formação literária de Pessoa, constitui um horizonte paralisante que tem de ser ultrapassado para chegar à modernidade. Num texto provavelmente de 1917, Pessoa fala sobre os verdadeiros perigos do Romantismo e explica que graças à popularização da ideia do génio criador e ao culto generalizado, e em consequência corrompido e pervertido, da genialidade criativa todos os indivíduos que compartilham certos critérios dessa genialidade – por exemplo ânsia, angústia, inapetência – facilmente se convencem da sua própria superioridade artística, sem possuir conhecimentos adequados e sem conhecer a própria tradição. Ao culto do falso individualismo dos românticos, que invade de um modo desenfreado não só a autoperceção do artista, mas também os discursos poéticos, Pessoa contrapõe a disciplina e o profissionalismo da criação poética da antiguidade. Na teoria clássica não era assim. O discípulo dos antigos apoia- va a sua crença em que era poeta em faculdades de construção e de coordenação, em uma disciplina interior que não é tão fácil a qualquer presumir, para si mesmo, que possui. Não é tão fácil, em relação às pretensões que são a base do romantis- mo, do sentimento romântico. Há basta gente que pode crer- se, falsamente, dotada de qualidades construtivas em arte; mas toda a gente, e não alguma, pode julgar-se artista, quando as Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 100 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 100 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 101 qualidades fundamentais exigidas são um sentimento de vácuo nos desejos, um sofrimento sem causa, e uma falta de vonta- de para trabalhar- — característicos que mais ou menos todos possuem, e que nos degenerados e nos doentes do espírito as- sumem um relevo especial. (Pessoa, 1994: 147) A polémica pessoana com o Romantismo, portanto, baseia-se na rejeição da idolatria da expressão descontrolada da subjetividade, na recusa da falta da disciplina organizadora e na articulação da escassez da intelectualização dos sentimentos. 2 António Mora e o princípio aristotélico Quem defende mais assiduamente a legitimidade dos princípios de uma estética aristotélica e as forças revigorantes da tradição antiga é o heterónimo António Mora. O heterónimo-filósofo, que se autodefiniu nos seus escritos como um autêntico «médico da cultura», desenvolveu uma forte crítica da tradição europeia judeo-cristã e da modernidade que se alicerçou em certos aspetos e valores dessa tradição, e propagou um novo movimento estético- religioso, denominado neopaganismo. O neopaganismo propõe «um plano de resgate e modernização do panteão grego e latino e, ao mesmo tempo, uma superação quer do racionalismo iluminista, quer do romantismo» (Cardiello, 2016: 110). Para poder sair da decadência e do niilismo da civilização atual, portanto, é preciso regressar à cultura helenística, tendo em conta que, segundo Mora, «da Grécia Antiga vê-se o mundo inteiro» (Pessoa, 1966: 117). As consequências estéticas deste programa de «regresso aos Deuses», apesar de a filosofia do neopaganismo ser longe do racionalismo, se resumem parcialmente pela recuperação de vários dos princípios fundamentais da Poética de Aristóteles. No fragmento Regresso dos Deuses: Estética, Mora contrapõe o artista objetivo ao artista subjetivo. Este último acredita firmemente que o fim da arte não é outra coisa senão a expressão direta e imediata das suas emoções, o que sem qualquer dúvida constitui um dos princípios da ideologia estética do Romantismo. O artista objetivo não aceita esta convicção, dado que, no seu entender, a arte verdadeira não se define pela simples exteriorização das emoções. A arte objetiva, que segundo Mora é a arte propriamente dita, é «uma coisa realizada» (Pessoa, 1994: 19). Embora o defensor do neopaganismo não defina o que é que entende na expressão «uma coisa realizada», as passagens a seguir deixam-nos claro que se refere à intelectualização e à elaboração das emoções e à subsequente submissão destas a certas regras e Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 101 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 101 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 102 normas objetivas da representação. «Uma obra de arte é um objecto exterior; obedece, portanto, às leis a que estão subordinados os objectos exteriores, no que objectos exteriores.» (Pessoa, 1994: 19) Continua referindo-se às normas que a expressão artística deve respeitar. Falando sobre os princípios basilares da arte, Mora enfatiza a importância da generalidade e da universalidade que nos conduz ao nono capítulo da Poética, em que Aristóteles estabelece uma distinção entre poesia e historiografia, sendo a tarefa do primeiro representar o que poderia acontecer, o que é possível segundo as leis da verossimilhança e da necessidade. Assim, enquanto a história se responsabiliza por representar o particular, a poesia refere principalmente o universal (Aristóteles, 1984: 451). Em dois fragmentos diferentes, concebidos provavelmente no ano glorioso do Orpheu, Mora escreve que «o fim da arte é imitar a Natureza» (Pessoa, 1994: 21) e que «procura a arte imitar a Natureza; mas imitá-la completamente» (ibid. p. 23), ideias que evocam diretamente um dos conceitos centrais da Poética, nomeadamente a mimese. 2 No mesmo fragmento lê-se que «a arte, como a ciência, supõe a eliminação do fator pessoal. Não viram isto os artistas modernos» (Pessoa 1994: 24), o que nos reconduz à crítica do Romantismo e das estéticas individualistas que se alimentam da herança romântica. Num outro excerto, Mora critica explicitamente o Romantismo e declara que a tendência artística não constituiu nenhuma renovação da arte, pelo contrário, representou, antes de mais, uma incapacidade de renovar. O heterónimo avança na sua argumentação com uma pergunta retórica: «Tinham-se gasto as fórmulas clássicas?», à qual responde que essas fórmulas não se tinham gasto, visto que «o que se tinha gasto era a inspiração adentro delas» (Pessoa, 1994: 25). A tarefa e o desafio da estética do neopaganismo é, portanto, encher de nova inspiração as fórmulas clássicas, ou seja, superar a modernidade vaga através da reativação inovativa dessas fórmulas antigas. O ideal grego que, desta forma, precisa ser revisitado, na formulação agora já de Pessoa baseia-se em três princípios claramente aristotélicos – nomeadamente no do equilíbrio, no da harmonia e no do fasto (Pessoa,1966: 169). O retorno às referidas formas clássicas supõe, desta forma, uma retomada nítida das premissas da Poética, assim, as reflexões acima-expostas de António Mora e Pessoa sobre a arte, segundo Maria Manuela Brito Martins, podem ser interpretadas como «uma possível resposta a uma teoria estética da modernidade» (2015: 84-85). 2 Um outro conceito fulcral da Poética, o da catarse, é evocado num outro texto – The aim of art, escrito em inglês – em que se lê que «The aim of art is to elevate» (Pessoa 1994: 26). Este fragmento não é atribuído a António Mora, porém, como Maria Manuela Brito Martins ressalta, existe uma certa afinidade entre o pensamento estético de Mora e Pessoa, sobretudo no que diz respeito à sua relação com a tradição da Poética (2015: 81). Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 102 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 102 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 103 O fato de que a maioria dos textos citados em defesa de uma estética de cunho aristotélico foi produzida durante os anos do Orpheu e da emergência dos principais ismos pessoanos que se definem, por sua vez, por uma evidente vontade de se inscrever no discurso do moderno, enfrenta-nos com a pluralidade chocante da obra pessoana em que várias poéticas e políticas se sobrepõem. E isto confere uma modernidade perturbadora ao pensamento pessoano, para o qual a humanidade, na opinião de Alain Badiou, ainda não está completamente preparada (2005: 36). 3 3 A crise da modernidade e um novo conceito de beleza no pensamento de Álvaro de Campos Se aceitarmos a tese de que a estética aristotélica de António Mora e de Fernando Pessoa deve ser interpretada como uma possível resposta às tendências estéticas da modernidade, a estética não aristotélica de Álvaro de Campos também pode ser entendida como uma outra resposta possível ao mesmo fenómeno sociocultural. O período do fim do século 19 e do início do século 20, época da formação e da criação da vasta obra pessoana, foi caracterizado por uma crise geral provocada pela lógica da modernidade num processo de autossuperação permanente. Testemunhou-se a crise da ideologia burguesa, a crise do cientificismo positivista- racionalista baseado na crença incondicional nas forças reformadoras da ciência, o desmoronamento do conceito tradicional do homem ocidental e da ideologia do humanismo, o declínio de sistemas filosóficos de origem cartesiana e o colapso das estéticas românticas e realistas, enraizadas ou na expressão incondicional da subjetividade ou na tradição do código mimético. Na opinião de Dionísio Vila Maior (2023: 10), a obra de Fernando Pessoa, com a criação da heteronímia e dos vários ismos literários, basicamente responde a esta crise geral e apresenta uma alternativa para incorporá-la e superá-la. Ora, no que diz respeito à crise do pensamento estético no período em questão, com o despontamento dos vários ismos modernos, as categorias tradicionais da estética – como a obra, a beleza, a estrutura, o autor, a receção, o género, a representação mimética, etc. – revelaram- se inadequadas à modernidade da criação artística coetânea, o que obrigou os autores e filósofos a repensar os conceitos fundamentais da estética. Quanto ao pensamento estético de Pessoa, as reflexões de cariz aristotélico representam uma rejeição da crise total do homem moderno e da inadequabilidade das categorias estéticas tradicionais quando defendem o regresso às formas clássicas, enquanto 3 «We must therefore conclude that philosophy is not-at least not yet-under the condition of Pessoa. Its thought is not yet worthy of Pessoa.» (Badiou 2005: 36) Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 103 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 103 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 104 as ideias não aristotélicas, pelo contrário, anunciam uma reação afirmativa para a experiência existencial e estética da modernidade. Nos mesmos anos em que Pessoa e António Mora elaboram as suas reflexões aristotélicas sobre a arte, Álvaro de Campos começa a engendrar os contornos de uma abordagem alternativa, isto é, uma estética de caráter não aristotélico. Definindo-se como o maior defensor da modernidade, para quem a transformação permanente e as inovações tecnológicas constituem o horizonte primordial da existência, Campos tenta libertar-se das formas clássicas e das categorias estéticas tradicionais. Na Ode Triunfal, contrapõe um novo conceito de beleza – a beleza das máquinas, das fábricas e da eletricidade – à ideia antiga do belo como algo equilibrado, estruturado, harmonioso, estável, metafísico e trans-historicamente imutável. A nova conceção de beleza é «totalmente desconhecida dos antigos» (Pessoa, 2006: 44) e, com ela, Campos enfatiza a novidade radical das suas ideias estéticas. Na oposição de um novo ideal de beleza que se inspira no Zeitgeist moderno e no próprio l’esprit moderne, reconhece-se a dicotomia de beleza elaborada por Baudelaire no seu estudo sobre o pintor pré-impressionista, Constantin Guys. O poeta francês, referindo a polémica seiscentista da consciência estética moderna em formação – a famosa Querelle des Anciens et des Modernes –, fez uma distinção nítida entre um novo conceito de beleza profundamente moderna que, por sua vez, é transitória, é fugitiva e contingente, e constitui uma metade da arte, e a outra metade da tradição artística, que é de origem clássica e se define por ser eterna e imutável (Baudelaire, 2006: 21). Campos tematiza essa oposição já com o título do seu poema quando escolhe um género poético que vem da antiguidade, trazendo consigo uma tradição literária milenar. O texto, porém, nas palavras de Eduardo Lourenço, é um «hiperbólico hossana como tal confessado à explosiva e premente novidade do mundo e sobretudo aos seus aspetos mais agressiva e perturbadoramente modernos, é uma antítese sensível do espaço morto e do tempo de morte onde Reis se recorta» (2003: 74). Na Ode Triunfal encontram- se espalhadas várias referências ao mundo estético da antiguidade. E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão, E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta, Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem, Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes, […] (Campos, Pessoa: 44) Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 104 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 104 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 105 No entanto, como no Manifesto Futurista de Marinetti (1909), essas referências antigas sempre aparecem em contraposição aos elementos constituintes da experiência moderna – que não só se sobrepõem a essas referências, mas são colocadas numa relação hierárquica com essas, sendo os elementos modernos evidentemente os mais belos, mais dignos e mais valiosos. O programa de revolução modernista das Odes é continuado e alargado no Ultimatum para um plano complexo de modernização nacional (Vieira, 2010: 130). Na segunda parte, mais programática e sistemática do manifesto, Campos expõe a necessidade de uma «intervenção cirúrgica anticristã» que se concretizará através da «eliminação, dos três preconceitos, dogmas ou atitudes que o cristianismo fez que se infiltrassem na própria substância da psique humana.» (1981: 33). O programa evidentemente nietzschiano e vanguardista de forjar uma nova humanidade e uma nova civilização deve começar com a abolição do dogma da personalidade (romântico-burguesa), continuar com a libertação política dos sistemas políticos vigentes, para ser concluído com a transformação das artes através da Abolição do dogma da individualidade artística. O maior ar- tista será o que menos se definir, e o que escrever em mais géneros com mais contradições e dissemelhanças. Nenhum ar- tista deverá ter só uma personalidade. Deverá ter várias, orga- nizando cada uma por reunião concretizada de estados de alma semelhantes, dissipando assim a ficção grosseira de que é uno e indivisível. (Campos, 1981: 34) Segundo Maria João Mayer Branco, com essas abolições Campos basicamente visiona a emergência não só de um novo homem, mas também de um novo poeta, um novo artista, o artista não aristotélico, profundamente moderno, que consegue libertar-se de uma forma radical de todas as amarras da tradição estética e elabora um novo ideal artístico mais conveniente para as práticas contemporâneas e a sua receção. O artista aristotélico, pois, seguindo as propostas do Ultimatum, de uma maneira claramente nietzschiana «assumirá um processo de despersonalização tal que, deixando de ser um – deixando de ser um sujeito, deixando de ser uno e idêntico a si mesmo – possa ser vários.» (Branco 2016: 312-313). 4 Apontamentos para uma estética não aristotélica Antes de entrar na análise de como este processo de despersonalização é proposto nos Apontamentos para uma estética não aristotélica, cabe verificar o contexto em que o texto foi publicado, posto que, no meu ver, as condições Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 105 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 105 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 106 da publicação podem também contribuir para a compreensão do ideário não aristotélico de Pessoa/Campos. Os Apontamentos para uma estética não aristotélica foram publicados em duas partes no terceiro e no quarto número da revista Athena, entre dezembro de 1924 e janeiro de 1925. Depois da gloriosa catástrofe do Orpheu, Pessoa começou a elaborar o plano de uma revista, intitulada Athena: A Journal of Pagan Reconstruction, que teria como editor António Mora e contaria com a colaboração de Pessoa, Alberto Caeiro e Ricardo Reis – ou seja, todos os heterónimos principais, com a exceção de Álvaro de Campos, cujo futurismo e modernidade radical não convinham ao perfil neopaganista do periódico planeado. A ideia não concretizada ressurgiu alguns anos mais tarde, em 1918, e, segundo um esboço do arquivo pessoano, já levava os títulos dos ensaios de António Mora, Ricardo Reis e Pessoa, indicando que contaria igualmente com vários poemas de Alberto Caeiro. Como Richard Zenith salienta, «the goal of Athena, and the dream of Pessoa, was to instill the ethos of pagan antiquity in comtemporary Portugal» (2022: 561). Porém, a revista que finalmente foi lançada em 1924, com a direção literária de Pessoa e com a direção artística de Ruy Vaz, revela um perfil diferente, tendo em conta que já não se define como um foro exclusivamente reservado para a teorização do neopaganismo. A revista, com os seus cinco números publicados, tornou-se, antes de mais, num palco autêntico do drama em gente da heteronímia onde Álvaro de Campos, Ricardo Reis, António Mora e Diniz Silva revelaram as suas composições poéticas e ensaísticas. 4 Assim, «Athena was not only an impressive showcase for writing by Pessoa and his heteronyms – the largest and most varied display to be published in his lifetime – but also a carefully curated exposition of a personal, literary utopia.» (Zenith 2022: 649). A revista teve uma importância destacada para Pessoa, tendo em conta que dez anos depois do escândalo revolucionário do Orpheu, cujo plano foi arquitetado por ele e Mário de Sá-Carneiro, encontrou-se finalmente mais uma vez no lugar de diretor literário, desfrutando as vantagens e a liberdade que tal posição lhe conferiu para continuar o seu projeto modernista. Desta forma, a revista estava longe de ser um projeto ideológica e esteticamente homogéneo, como o primeiro esboço de 1915 com o seu foco exclusivo na teoria do neopaganismo estava a sugerir. A escolha do título ainda ecoa uma certa orientação neopaganista, porém, no meu ver, contém também uma clara referência à vontade da continuação do projeto modernista do Orpheu. O título da revista, por primeiro, como a nota 4 A revista contou igualmente com a contribuição de José de Almada Negreiros, António Botto, Mário de Sá-Carneiro, Henrique Rosa (irmão do padrasto de Fernando Pessoa), e a tradução de The Raven de Edgar Allan Poe, feita por Pessoa. Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 106 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 106 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 107 introdutória de Pessoa deixa claro, não só remete o leitor para a deusa da razão, da sabedoria e da justiça, mas contém em si uma teoria estética enraizada na cultura grega. O texto, depois de anunciar que os gregos ainda nos governam nos tempos modernos de além dos próprios túmulos, argumenta que na Grécia antiga o processo da produção artística era dominado por dois deuses, e dois princípios: por um lado, Apolo, que unia de um modo instintivo a sensibilidade com o entendimento; e, por outro lado, Athena, que representava a harmonização da arte com a ciência «em cujo efeito a arte (como também a ciência) tem origem como perfeição» (Pessoa, 1924: 5). Para fazer arte, portanto, não é suficiente ter inspiração e sensibilidade – o processo artístico supõe sempre uma abordagem mais racional, quase científica. Pessoa, desta forma, cria uma certa união entre a conceção platónica da poesia (e da arte), que se define pela dominância da inspiração (ἐνθουσιασμός), e a teoria aristotélica, segundo a qual a criação artística é fruto de um profundo saber profissional e, por isso, supõe um processo de planeamento e construção racional (τέχνη). Onde não houver harmonia, equilíbrio de elementos opostos, não haverá ciência nem arte, porque nem haverá vida. Representa Apolo o equilíbrio do subjetivo e do objetivo; figura Athena a harmonia do concreto e do abstrato. A arte suprema é o resultado da harmonia entre a particularidade da emoção e do entendimento, que são do homem e do tempo, e a universalidade da razão, que, para ser de todos os homens e tempos, é de homem, e de tempo, nenhum. O produto assim formado terá vida, como concreto; organização, como abstrato. Isto estabeleceu Aristóteles, uma vez para sempre, naquela sua frase que é toda a estética: um poema, disse, é um animal. (Pessoa, 1924: 8) O aristotelismo evidente da argumentação pessoana é corroborado por uma referência direta ao estagirita. Athena, pois, por primeiro, representa a razão universal e a organização harmoniosa da obra de arte, ou seja, princípios claramente aristotélicos. Por segundo, na palavra Athena vibra de uma forma metonímica a cidade de Atenas, centro da cultura helenística e, ao mesmo tempo, berço da democracia e da liberdade de expressão. Ora, em termos estéticos o ideal democrático significa a liberdade incondicional da expressão artística, sem limitações históricas ou restrições normativas, o que nos conduz para a própria ideia do moderno e para a sua radicalidade estética. Por terceiro, e em consonância com o ideário modernista da liberdade estética, a figura de Athena entra em contato direto com o discurso literário e artístico do modernismo internacional, tendo em conta que a sua personagem e os mitemas relacionados a ela aparecem em inúmeras obras de arte e textos literários, Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 107 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 107 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 108 desde Oscar Wilde, William Butler Yeats e Max Klinger até Sigmund Freud, Isadora Duncan e Ernst Ludwig Kirchner. 5 Por último, podemos estabelecer um paralelismo entre a figura de Athena e a do Orpheu, cujo mito também foi reelaborado por vários poetas, artistas e escritores modernistas – paralelismo este que se torna mais pertinente se levamos em consideração o fato de que Pessoa pensava na revista Athena como um foro autêntico que continua o legado do projeto do Orpheu. No texto de abertura de Pessoa, podemos detetar também essa ambiguidade entre um ideal estético aristotélico e um conceito mais modernista. Nos últimos parágrafos do ensaio, Pessoa sai das coordenadas do aristotelismo dominante do texto. Dividindo as artes em três categorias – arte inferior, arte média e arte superior –, comenta as funções, os objetivos e os efeitos de cada forma artística. Enquanto a arte inferior simplesmente entretém e a arte média embeleza, o fim da arte suprema é elevar o leitor/espectador. Por isso toda arte superior é, ao contrário das outras duas, pro- fundamente triste. Elevar é desumanizar, e o homem se não sen- te feliz onde se não sente já homem. É certo que a grande arte é humana; o homem, porém, é mais humano que ela. Ainda por outra via a grande arte nos entristece. Constantemente ela nos aponta a nossa imperfeição: já porque, parecendo-nos perfeita, se opõe ao que somos de imperfeitos; já porque, nem ela sendo per- feita, é o sinal maior da imperfeição que somos. (Pessoa 1924: 8) Nesta passagem, parece óbvio que Pessoa não usa o termo elevar naquele sentido aristotélico sob a égide do qual a palavra aparece no fragmento acima citado, The aim of art. Elevar, em vez da semântica clássica que implica ensinar, edificar, instruir, educar e enobrecer, aqui significa desumanizar, ou seja, verifica-se uma saída radical das coordenadas da estética aristotélica segundo a qual no processo de receção da obra de arte sempre está presente o elemento do mathesis (μάθησις), isto é, o espectador/leitor sempre aprende alguma coisa e a sua identidade é enriquecida por novos conhecimentos (Hubbard 1972: 86). A desumanização, porém, sugere uma experiência totalmente diferente e mais radical do encontro com a obra de arte e conduz-nos aos Apontamentos para uma estética não aristotélica e ao ideário profundamente nietzschiano do texto. 5 Nem mencionando o fato que, depois da Revolução Francesa, a figura de Athena começou a substituir, na estatuária pública, as obras de caráter religioso, simbolizando a vitória da razão e da liberdade sobre o obscurantismo e o despotismo milenar. A figura de Athena, nesta perspetiva, associa-se a um ideário revolucionário que, por sua vez, se considera uma das características fundamentais dos movimentos modernistas. Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 108 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 108 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 109 5 A teoria estética nietzschiana e os Apontamentos Sem qualquer dúvida, a maior referência cultural dos Apontamentos, é a teoria estética nietzschiana e as ideias radicais sobre os efeitos da obra de arte, elaborados pelos movimentos da vanguarda – e sobretudo pelo futurismo – à base do pensamento vitalista de Bergson e de Nietzsche. Foi nos finais dos anos 1980 que Eduardo Lourenço chamou a atenção aos paralelismos axiomáticos entre a obra pessoana e a filosofia de Nietzsche (Lourenço, 1989: 247-263). Apesar das correlações mais do que evidentes entre o pensamento dos dois autores, como é sabido, Pessoa não era um leitor assíduo do filósofo alemão e, segundo as pesquisas de Jerónimo Pizarro, não leu diretamente muitas obras dele (Pizarro, 2006: 96). Porém, como Marta Faustino e Antonio Cardiello (2016) ressaltam, tinha um conhecimento relativamente profundo sobre os conceitos nietzschianos de fontes indiretas, isto é, de monografias e tratados escritos sobretudo em francês. O livro que provavelmente teve o maior impacto em Pessoa foi o estudo de Jules de Gaultier, intitulado De Kant à Nietzsche. A verificação do exemplar guardado no arquivo da Casa Fernando Pessoa revela que o que captou mais a atenção de Pessoa foi o capítulo sobre o Nascimento da Tragédia, ou seja, a apresentação do ideal estético nietzschiano (Faustino – Cardiello, 2016: 321-322). Como já tinha sido indicado antes, quem foi influenciado mais profundamente pelo ideário estético e filosófico de Nietzsche dentro do sistema heteronímico foi Álvaro de Campos, cujo personagem, na opinião de Bartholomew Ryan, até pode ser visto como um «avatar mutilado» do pensador alemão (2016: 58) e que, com o seu caráter exageradamente histérico «revela um cariz marcadamente dionisíaco» (Zenith, 2016: 135). 6 Ora, no que diz respeito aos Apontamentos para uma estética não aristotélica, a filiação nietzschiana parece ser evidente desde o incipit do texto. Pessoa/Campos começa a sua argumentação com uma comparação: como desde a revolução científica da modernidade oitocentista existem geometrias não euclidianas que questionam os princípios milenares da geometria ocidental, é possível e preciso elaborar, seguindo a lógica subversiva dos novos sistemas científicos, estéticas não aristotélicas, que, por sua vez, destroem as normas da tradição estética radicada na teorização da Poética. O conceito euclidiano da geometria baseia-se num modelo linear e racional e supõe uma correlação direta entre o espaço abstrato das calculações e o espaço real. A metodologia da geometria clássica, elaborada à base dos teoremas e axiomas do matemático grego, estava em vigor durante vários milénios e 6 Nem falando do fato que, segundo a famosa carta a Adolfo Casais Monteiro, ele nasceu no mesmo dia – 15 de outubro – que o próprio filósofo. Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 109 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 109 16. 01. 2024 14:39:23 16. 01. 2024 14:39:23 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 110 só foi questionada ao longo do século 19. Nietzsche, como o maior filósofo da reavaliação e da «transmutação de todos os valores» (1997: 47), propôs não só a desestabilização das coordenadas tradicionais da moral, da arte, da estética, da verdade e do pensamento filosófico do Ocidente, mas apoiava também o questionamento das premissas históricas das ciências, fenómeno que já estava decorrendo no discurso científico desde o surgimento das ideias revolucionárias de János Bólyai, Hermann Ludwig Helmholtz, Carl Gustav Jacob Jacobi e Ernst Mach no terreno da matemática, da geometria e da física (Schiemann, 2014: 46-47). 7 Na obra Vontade de Poder, Nietzsche até faz uma menção à geometria euclidiana, chamando atenção para o poder condicionante da teoria e para a verdade ilusória e metafísica do conceito. As categorias só são «verdades» no sentido de que condicionam a vida para nós: como o espaço euclidiano é uma tal «verdade» condicionante. (Dito sem rodeios: ninguém sustentará a necessidade de os homens existirem, por isso a razão é, assim como o espaço euclidiano, uma mera idiossincrasia de uma determinada espécie de animal, uma entre muitas outras...). (Nietzsche, 2011: 270) Esta suspeita epistemológica quanto às metodologias tradicionais da ciência permeava igualmente as práticas artísticas da vanguarda. Com a redefinição dos axiomas fundamentais da matemática e da física, ciência e arte tornaram- se aliadas num projeto comum de captar e representar os novos conceitos espácio-temporais. Dos movimentos de vanguarda, que no início do século 20 chegaram com as suas políticas complexas inspiradas em certos aspetos pela filosofia nietzschiana para remodelar não só a cultura senão toda a humanidade, foi o cubismo e o futurismo que se mostraram mais sensíveis para com o discurso científico. Segundo Paula Cristina Costa, durante o período das vanguardas, ciência e arte tornaram-se extremamente recetivos e motivados a «repensar espaço e tempo à luz de todo o dinamismo e mudança de ritmo do novo século» (Costa, 1990: 219). Almada de Negreiros por exemplo escreveu num dos artigos publicados no Portugal Futurista que 7 Na opinião de Gregor Schiemann, Nietzsche foi um dos únicos filósofos do século 19 que não só reconheceu a transformação profunda na estrutura das ciências, mas atribuiu uma importância fulcral ao processo de redefinição. «Er is wohl der einzigenamhafte Philosoph des 19. Jahrhunderts, der den Umbruch im Wissenschaftverständnis, da er seine Tragweite erkannte, ins Zentrum seines Denken stellte. Dabei blieben seinde Reflexionen insofern der Zeit des Wandels verhaftet, als in ihnen neue Bestimmungen der Wissensachtlichkeit teilweise noch neben traditionelle Vorstellungen zu finden sind. Elemente dieser für einen Umbruch typischen Zwischenstellung teilte Nietzsche – und darin drückt sich eine bemerkenswerte geistige Nähe zur Transformation der Wissenschaften aus – bezeichnenderweise mit den Forschern, die aktiv am Wandel selbst teilnahmen.» (Schiemann, 2014: 47) Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 110 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 110 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 111 «A arte de hoje está definida, é uma ciência concreta. Tem os seus deveres, os seus deveres de educação. A arte de hoje é um método matemático para aproveitar ou multiplicar as energias humanas em favor da Civilização Europeia.» (1981: 2). Ora, o fato que Pessoa/Campos elabora a proposta da estética não aristotélica, em analogia com as geometrias não euclidianas, relaciona-se, por um lado, com a suspeita nietzschiana perante todas as «verdades» morais, históricas e científicas da Europa, e, por outro lado, com a aliança que se criou entre a arte e a ciência para repensar as coordenadas do espaço e do tempo. Depois de estabelecer um paralelo entre geometrias não euclidianas e estéticas não aristotélicas, Pessoa/Campos avança com a definição dos pressupostos da sua própria estética não aristotélica. Porém, antes de entrar nos detalhes, anuncia que «Há muito tempo que, sem reparar que o fazia, formulei uma estética não aristotélica. Quero deixar estes apontamentos para ela […]» (Campos,1980: 251). Campos não especifica quando é que no passado criava de acordo com os princípios da estética não aristotélica, mas é muito provável que se está referindo às Odes publicadas no Orpheu – que, aliás, no último parágrafo dos Apontamentos são definidas como umas das três manifestações autênticas da estética não aristotélica, junto com os poemas de Walt Whitman e Alberto Caeiro – e ao Ultimatum escrito para a revista já mencionada de Almada de Negreiros, Portugal Futurista. Tanto as Odes como o Ultimatum já tinham sido evocados anteriormente a propósito da contraposição do moderno com o antigo e do programa nietzschiano- vanguardista de superar a civilização e a subjetividade humanas. O paralelismo entre os textos escritos durante os anos gloriosos do Modernismo português e os Apontamentos, concebidos quase uma década mais tarde, parece-me mais do que óbvio. Pessoa/Campos, assim, de uma forma retrospetiva, cria um novo sistema estético adequado para o Modernismo. Logo no início, o texto estabelece uma separação nítida entre estética aristotélica e não-aristotélica. «Chamo estética aristotélica à que pretende que o fim da arte é a beleza, ou, dizendo melhor, a produção nos outros da mesma impressão que a que nasce da contemplação ou sensação das coisas belas. Para a arte clássica — e as suas derivadas, a romântica, a decadente, e outras assim — a beleza é o fim.» (Campos,1980: 251). A estética não aristotélica, porém, em vez de se basear na beleza, e no conceito tradicional do belo, define-se, antes de mais, pela noção da força. Na segunda parte do texto, Pessoa/Campos dá uma explicação mais detalhada do sistema estético tradicional, alicerçado na conceção da beleza. Desta forma, a estética convencional «baseia-se Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 111 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 111 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 112 naturalmente na ideia de beleza, porque se baseia no que agrada; baseia-se na  inteligência, porque se baseia no que, por ser geral, é compreensível e por isso  agradável; baseia-se na unidade artificial, construída e inorgânica, e, portanto, visível, […] e por isso é apreciável e agradável» (ibid. p. 257). A referência direta desta passagem é, sem qualquer dúvida, o sétimo capítulo da Poética, em que Aristóteles escreve sobre a construção interna da tragédia e estabelece os critérios da ação que tem de ser completa, tem de constituir um todo, tem de ter uma certa grandeza e tem de obedecer às regras da estruturação lógica (princípio – meio – fim), respeitando as normas da causalidade (Aristóteles, 1984: 449). O estagirita continua a argumentação sobre os critérios formais abrangendo a explicação para a categoria mais geral do belo natural e artificial/artístico. Seguindo a lógica da mimese, o belo – tanto o orgânico da natureza como o artificial, criado pelo artista –, deve ter partes ordenadas e uma determinada grandeza que não pode ser qualquer. Porque o belo consiste na grandeza e na ordem, e portanto um organismo vivente pequeníssimo, não poderia ser belo (pois a visão é confusa quando se olha por tempo quase impercetível); e também não seria belo grandíssimo (porque não faltaria a visão do conjunto, escapando à vista dos espectadores a uni- dade e a totalidade, imagine-se, por exemplo, um animal de dez mil estádios…). Pelo que, tal como os corpos e organismos viventes devem possuir uma grandeza, e esta bem percetível como um todo, […] (1984: 449-450) O conceito do belo do período helenístico, portanto, tinha como princípios centrais e orientadores a questão da extensão, da proporção e da organização harmoniosa dos elementos constituintes, ou seja, dependia particularmente do equilíbrio e perfeição formal (Ross, 1995: 295). Logo, a beleza aristotélica, na formulação de Pessoa, agrada ao espectador, enquanto o programa não aristotélico «baseia-se naturalmente na ideia de força, porque se baseia no que subjuga» (1980: 257). Ora, a ideia da força e da subjugação inscrevem diretamente a argumentação pessoana no discurso da estética e da filosofia nietzschiana. Como Gilles Deleuze observa, o conceito da força e uma série de noções ligadas a ela, como a vitalidade, a energia vital, a criatividade, a vontade de poder e a dominação, constituem os focos principais do pensamento nietzschiano (2002: 3). É o «conceito vitorioso» da força orgânica que alimenta a vontade de poder que se manifesta em todos os seres vivos como o instinto vital mais primordial. Cada entidade, cada pessoa está permeada por Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 112 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 112 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 113 um «insaciável ansiar por mostrar poder; ou emprego, exercício de poder, pulsão criadora» (Nietzsche, 2011: 319). Esta obsessão nietzschiana com a força como elemento central da afirmação da vida contra o ideal ascético que trabalha em detrimento da vida, da natureza e da energia criativa, revelou-se na primeira obra do filósofo, O Nascimento da Tragédia, onde expôs a primeira formulação do seu ideal estético. Segundo a argumentação deste estudo influente, na obra de arte mais perfeita, na própria tragédia grega, manifesta-se uma certa dialética entre dois princípios primordiais da existência: o princípio apolíneo e o princípio dionisíaco. Enquanto Apolo representa, através da escultura e das artes figurativas, o mundo das formas claras, bem definidas e equilibradas, a composição harmoniosa ancorada numa subjetividade fixa e delimitada, Dionísio, deus da loucura, do êxtase e da embriaguez, considera-se fonte autêntica das energias vitais, irracionais e caóticas que questionam o universo das formas estabelecidas e destroem tanto o domínio da razão como a superioridade da subjetividade. Na tragédia grega, é através da intervenção apolínea que a dor, a tortura, a miséria, o sofrimento e o caos dionisíaco da vida pura passa por uma transformação figurativa e acaba por ganhar uma forma estética que permite que o espectador possa entrar em contato com o elemento dionisíaco, e afirmar uma vida repleta de desordem e tragicidade (Nietzsche, 1999: 27-48.). Ora, nos Apontamentos, Pessoa/Campos, partindo da premissa profundamente nietzschiana que a arte é «como toda a actividade, um indício de força» (Campos, 1980: 252), faz uma separação entre forças de integração e desintegração, cuja dialética considera-se fundamental para a própria existência. «Sem a coexistência e equilíbrio destas duas forças não há vida, pois a pura integração é a ausência da vida e a pura desintegração é a morte.» (ibid.). Nas artes, a força da integração manifesta-se como o elemento responsável pela coesão e pela unidade da obra, enquanto a força da desintegração representa a dinâmica da rutura, o que obriga «o corpo se cindir, se quebrar, deixar de ser corpo» (Campos, 1980: 253). A tendência integrativa tem a ver com a subjetividade, enquanto a tendência desintegrativa é fruto da vontade que rompe com a estrutura da subjetividade. As analogias entre as forças de integração e desintegração e o princípio apolíneo e dionisíaco parecem-me mais do que óbvias e, tanto para Nietzsche como Pessoa, o encontro com a obra de arte subverte a lógica aristotélica da mimese/mathesis, tendo em conta que supõe uma tensão constante entre as formas nítidas e «um estado de desindividuação ou de de-subjectivação, o estado dionisíaco de privação ou suspensão dos limites individuais» (Branco, 2016: 310). O fato que o artista não aristotélico, em vez Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 113 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 113 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 114 de agradar pretende subjugar o seu público, 8 na minha perspetiva, relaciona- se com essa mesma política de de-subjectivação e desumanização bem caraterístico nos movimentos de vanguarda, mas sobretudo no futurismo. 9 O artista verdadeiro, ou seja, o artista não aristotélico, na formulação de Pessoa «é um foco dinamogéneo» (Campos,1980: 256), o que nos reconduz ao imaginário futurista, fortemente presente na já referida Ode Triunfal. Assim, a estética não aristotélica inspirada tanto no pensamento nietzschiano como na estética de choque das vanguardas parece ser uma abordagem adequada para o modernismo chocante do projeto literário de Fernando Pessoa, que quebra a estrutura da subjetividade cartesiana e abre tanto o poeta como o leitor para o universo fascinante da pluralidade. Bibliografia Adorno, Th. W. (1970): Ästhetische Theorie. Frankfurt: Suhrkamp. Almada Negreiros, J. de (1981): «Os Bailados Russos em Lisboa». Em Portugal Futurista (edição facsimilada). Lisboa: Contexto. 2-4. Aristóteles (1984): Poética. São Paulo: Victor Civita. Badiou, A. (2005): Handbook of Inaesthetics. Stanford: Stanford University Press. Baudelaire, Ch. (2006): O pintor da vida moderna. Lisboa: Vega. Berghaus, G. (1996): Futurism and Politics: Between Anarchist Rebellion and Fascist Reaction. Providence/Oxford: Berghahn Books. Branco, M. J. M. (2016): «Notas sobre a “Estética não-aristotélica” de Nietzsche e Pessoa». Em Marta Faustino, Bartholomew Ryan, Antonio Cardiello (orgs.), Nietzsche e Pessoa. Ensaios. Lisboa: Tinta da China. 299-319. Campos, Á. de (1980): «Apontamentos para uma estética não-aristotélica». Em Fernando Pessoa, Textos de Crítica e de Intervenção. Lisboa: Ática. 249-261. 8 Theodor W. Adorno, no Ästhetische Theorie, faz uma distinção nítida entre o conceito do Kunstgenuss (prazer artístico) e do Erschütterung (abalo, choque) que pode facilmente ser relacionado com a dicotomia pessoana de uma arte aristotélica que agrada e uma arte não aristotélica que subjuga. Enquanto o Kunstgenuss característico do paradigma burguês pensa na obra de arte como um produto cujo fim é agradar e entreter o sujeito, a experiência estética do Erschütterung – que caracteriza as vanguardas – confronta a subjetividade com a suspensão e a perda da sua identidade. (1970: 363-364) 9 Günter Berghaus, na sua monografia Futurism and Politics: Between Anarchist Rebellion and Fascist Reaction, explica detalhadamente a influência das ideias nietzschianas no pensamento e na estética de Marinetti (1996: 25-26). Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 114 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 114 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 115 Cardiello, A. (2016): «O devir-pagão e o regresso aos deuses». Em Marta Faustino, Bartholomew Ryan, Antonio Cardiello (orgs.), Nietzsche e Pessoa. Ensaios. Lisboa: Tinta da China. 105-127. Costa, P. C. (1990): As Dimensões Artísticas e Literárias do Projecto Sensacionista. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Faculdade de Ciências Socias e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Deleuze, G. (2002): Nietzsche and Philosophy. London/New York: Continuum. Faustino, M., Cardiello, A. (2016): «“Ainsi l’oeuvre d’art est la suprême explication de la vie”. O ideal estético de Nietzsche e Pessoa». Em Marta Faustino, Bartholomew Ryan, Antonio Cardiello (orgs.), Nietzsche e Pessoa. Ensaios. Lisboa: Tinta da China. 321-353. Ferreira, J. (1995): «Formulação histórico-crítica de uma Estética Não- Aristotélica segundo Álvaro de Campos», Cerrados, 4, 71-80. Hubbard, M. (1972): «Aristotle: Poetics». Em Donald Andrew Russell, Michael Winterbottom (orgs.),  Ancient Literary Criticism.  Oxford: Clarendon Press. 85-132. Kant, I. (2016): Crítica da Faculdade de Julgar. Petrópolis: Editora Vozes Lind, G. R. (1994): «Reflexões acerca da estética de Fernando Pessoa». Em Páginas de Estética e de Teoria Crítica Literária. Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática. ix-xvi. Lourenço, E. (1989): «Pessoa e Nietzsche». Em António Marques (org.), Nietzsche: Cem Anos Após o Projecto «Vontade de Poder – Transmutação de Todos os Valores». Lisboa: Vega. 247-263 Lourenço, E. (2003): Pessoa Revisitado. Lisboa: Gravida. Martins, M. M. B. (2015): «A ars poetica de Fernando Pessoa à luz da poética aristotélica», Revista do CESP, 54 (35), 77-99. Nietzsche, F. (1997): O Anticristo. Covilhã: Lusosofia. Nietzsche, F. (1999): O Nascimento da Tragédia ou Helenismo e Pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras. Nietzsche, F. (2011): A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Contraponto. Pessoa, F. (1924): «Athena», Athena – Revista de Arte, 1, 5-8. https:// bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/0-28/1/0-28_item1/index. html?page=13 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 115 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 115 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 116 Pessoa, F. (1966): Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Lisboa: Ática. Pessoa, F. (1986). Obras de Fernando Pessoa. Introduções, organização, biobibliografia e notas de António Quadros. Vol. II. Porto: Lello & Irmão Editores. Pessoa, F. (1994): Páginas de Estética e de Teoria Crítica Literária. Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática. Pessoa, F. (2006). Poemas de Álvaro de Campos. Porto Alegre: L&PM. Pires, A. M. (2007): «Strength, Contemplation, and Disquiet: Towards a Corporeal Aesthetic of the Heteronyms». Em Anna M. Klobucka, Mark Sabine (2007) (orgs.), Embodying Pessoa. Corporeality, Gender, Sexuality. Toronto/Buffalo/London: University of Toronto Press, 52-71. Pizarro, J. (2006): «A Representação da Alemanha na obra de Fernando Pessoa», Românica, 15, 95-108. Prado Coelho, J. do (1994). «Tópicos para uma leitura crítica». Em Páginas de Estética e de Teoria Crítica Literária. Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática. xvii-xxxiv. Ross, D. (1995): Aristotle. London/New York: Routledge. Ryan, B. (2016): «Orpheu e os filhos de Nietzsche: Caos e Cosmopolitismo». Em Bartholomew Ryan, António Cardiello (orgs.), Nietzsche e Pessoa. Ensaios. Lisboa: Tinta da China. 51-83. Schiemann, G. (2014): «Nietzsche und die Wahrheitsgewissenheitsverluste im Anbruch der Moderne». Em: Heit, H. e Heller, L. (orgs.), Handbuch. Nietzsche und die Wissenschaften. Berlin/Boston: De Gruyter. 46-75. Vieira, E. (2010): «Álvaro de Campos’s Ultimatum: An Old Recipe for a New Portuguese Poetics», Luso-Brazilian Review, 47 (2), 120-134. Vila Maior, D. (2023): Fernando Pessoa: o Ser Verbal. Lisboa: Imprensa Nacional. Zenith, R. (2016). «Uma leitura nietzschiana de Pessoa e os heterónimos». Em Bartholomew Ryan, Marta Faustino, António Cardiello (orgs.), Nietzsche e Pessoa. Ensaios. Lisboa: Tinta da China. 129-143. Zenith, R. (2022). Pessoa. An Experimental Life. London: Penguin Books. Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 116 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 116 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24 VERBA HISPANICA XXXI • BÁLINT URBÁN 117 An aesthetics of force –Notes for a Non-Aristotelian Aesthetics and the aesthetic thought of Fernando Pessoa Keywords: aesthetics, Modernism, Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Aristotle This article focuses on Fernando Pessoa’s aesthetic theory and the position of Notes for a Non-Aristotelian Aesthetic, a pivotal reflection on the question of the arts by the heteronym Álvaro de Campos, in the Portuguese author’s aesthetic system. Departing from the question of the diversity of Pessoa’s ideas on arts, I first situate the essay in the large corpus of his theoretical writings and then I seek to demonstrate how it subverts the traditional categories of Aristotle’s Poetics and how it can be related to the philosophy of Friedrich Nietzsche and the revolutionary aesthetic strategies of the avant-garde movements. Estetika sile – nekaj opomb k nearistotelski estetiki in estetska misel Fernanda Pessoe Ključne besede: estetika, modernizem, Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Aristotel Članek se osredotoča na estetsko teorijo Fernanda Pessoe in pomembnost dela Zapiskov za nearistotelsko estetiko, delo, ki je ključno za heteronimna razmišljanja o vprašanju umetnosti Álvara de Camposa v estetskem pogledu tega portugalskega avtorja. Če izhajamo iz vprašanja raznolikosti Pessojevih idej o umetnosti, avtor esej najprej umesti v obsežen korpus njegovih teoretskih spisov, nato pa skuša pokazati, kako spodkopava tradicionalne filozofske kategorije Aristotelove Poetike in kako ga je mogoče povezati s filozofijo Friedricha Nietzscheja in revolucionarnimi estetskimi strategijami avantgardnih gibanj. Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 117 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 117 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24 VERBA HISPANICA XXXI • O MUNDO LUSÓFONO NAS LÍNGUAS E LITERATURAS ROMÂNICAS 118 Bálint Urbán Bálint Urbán possui mestrado em Literatura Portuguesa, Teoria de Artes e Metodologia de Ensino da Universidade Eötvös Loránd (EL TE) de Budapeste, e obteve o seu doutorado em literatura portuguesa contemporânea na mesma instituição académica em 2016. Entre 2017 e 2019 trabalhou como professor visitante na Universidade Estadual do Ceará. Desde 2019 é professor auxiliar do Departamento de Português da Universidade Eötvös Loránd. O seu livro intitulado Enterrar El-Rei Sebastião: A Reinterpretação e A Reescrita do Mito de D. Sebastião na Ficção Pós-25 de Abril foi publicado em 2019 pela EdUECE.   Endereço: Eötvös Loránd Tudományegyetem  Bölcsészettudományi Kar  Romanisztika Intézet – Portugál Nyelvi és Irodalmi Tanszék  Múzeum körút 4/C (149-es szoba)  1088 Budapest  Hungary Correio eletrónico: urban.balint@btk.elte.hu  Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 118 Verba Hispanica 2023_FINAL.indd 118 16. 01. 2024 14:39:24 16. 01. 2024 14:39:24