191 Clara Nunes Correia DOI: 10.4312/linguistica.62.1-2.191-204 Universidade Nova de Lisboa claranc@fcsh.unl.pt Antónia Coutinho Universidade Nova de Lisboa acoutinho@fcsh.unl.pt À VOLTA DAS CRÓNICAS: RELAÇÕES ENTRE GRAMÁTICA & TEXTO* 1 INTRODUÇÃO: AS CRÓNICAS COMO OBJETO DE ESTUDO A crónica é como que a conversa íntima, indolente, desleixada, do jornal com os que o lêem: conta mil coisas, sem sistema, sem nexo; espalha-se livremente pela natureza, pela vida, pela literatura, pela cidade; fala das festas, dos bailes, dos teatros, das modas, dos enfeites, fala de tudo, baixinho, como se faz ao serão, ao braseiro, ou ainda de verão, no campo, quando o ar está triste. [...] Ela sabe anedotas, segredos, histórias de amores, crimes terríveis; espreita porque não lhe fica mal espreitar. [...] ela não tem opiniões, não sabe o resto do jornal; está aqui, nas suas colunas, cantando, rindo, palrando; não tem a voz grossa da política, nem a voz indolente do poeta, nem a voz doutoral do crítico; tem uma pequena voz serena, leve e clara, com que conta aos seus amigos tudo o que andou ouvindo, perguntando, esmiuçando. [...] 1 O trabalho que caracteriza a investigação levada a cabo pelo grupo de investigação Gramática & Texto 2 procura encontrar as linhas de interação entre as duas perspetivas. Ao observarem-se exemplares de textos que circulam sob a etiqueta ‘crónica’ – publi- cados na imprensa diária, ou em coleções editadas em suportes diferenciados – encon- tramos características gramaticais e textuais diferenciadoras do que pode ser designado como ‘crónica’. Em termos gerais, poderemos agrupar essas características a partir de quatro zonas, tal como se propõe na Fig.1: * Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tec - nologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/LIN/03213/2020 e UIDP/LIN/03213/2020 – Centro de Linguística da Universidade NOV A de Lisboa (CLUNL). 1 Eça de Queirós, in Distrito de Évora, nº1 6/1/1867 https://www.citador.pt/textos/o-valor-da-croni- ca-de-jornal-eca-de-queiros (consultado a 29 de julho de 2022). 2 O Grupo Gramática & Texto é um dos grupos do Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa. Temos o privilégio de poder contar com a Professora Jasmina Markič como colaboradora deste grupo de investigação. Ao longo dos anos em que tem colaborado connosco tem participado em inúmeras atividades de investigação do grupo. Pela sua disponibilidade e pela partilha de con - hecimento fica aqui o nosso agradecimento. Linguistica_2022_2_FINAL.indd 191 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 191 5. 01. 2023 07:29:23 5. 01. 2023 07:29:23 192 Figura 1. Zonas características para o estudo das ‘crónicas’ Pretendemos com este esquema, apenas, orientar a nossa análise, visando-se definir algumas propriedades de diferentes textos que se inscrevem como ‘crónicas’. Assim, ao longo deste artigo tentaremos mostrar, a partir de análise de uma crónica e de excer- tos de crónicas que exibem características diferentes, de que forma estas quatro zonas interagem e se completam – ganhando ou perdendo saliência – na estruturação do que pode ser considerado como marca distintiva deste género textual. 2 À VOLTA DO SENTIDO DAS CRÓNICAS Este ângulo de entrada pode ser visto como excessivo ou redundante: quando se trabalha com textos, tudo gira em torno do sentido. Apesar disso, ou por isso mesmo, convirá esclarecer que sentido é aqui entendido na perspetiva de Coseriu (2007: 156), como «una clase de contenido que es propriamente contenido de textos, o contenido dado a través de los textos». Por essa razão, o sentido é, em última análise, o que justifica a existência de uma linguística do texto – ou, mais exatamente, do que este autor considera a linguística do texto propriamente dita (uma linguística do sentido, a distinguir de gramática transo - racional ou análise transfrásica). Deste ponto de vista, em textos de alguns géneros – como é o caso da crónica – o título funciona como um indicador, ou uma pista, do sentido: um conteúdo que não é meramente interpretável em termos de estruturação linguística, mas que contém em si a totalidade do que se narrou e/ou expôs ao longo de uma, duas ou n páginas. Assim, um sintagma nominal como «o futebol vivido» não quer dizer mais do que o que é possível compreender, em português, a partir da junção sintagmática das formas em ocorrência. E essa compreensão, à partida, parece pouco transparente: haverá algum futebol que não seja vivido? Ou, por outras palavras: o que pode, neste caso, ser sinónimo (ou PERCURSOS TEMPORAIS CRÓNICA À VOLTA DO SENTIDO À VOLTA DOS SUJEITOS PERCURSOS TEMÁTICOS Linguistica_2022_2_FINAL.indd 192 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 192 5. 01. 2023 07:29:23 5. 01. 2023 07:29:23 193 antónimo) de vivido? Quando o mesmo sintagma corresponde ao título de uma cróni- ca 3 , ele surge preenchido por dados recuperáveis em função da leitura do texto (ou, pelo menos, só inteiramente recuperáveis em função da leitura). Se, por um lado, o título aparece assim vocacionado para evidenciar o conteúdo que é apenas dado pelo texto, é preciso também ter em conta a duplicidade cronológica deste elemento peritextual: frequentemente, ainda que não necessariamente, formulado (encontrado?) a posteriori, relativamente à produção do texto, o título é sempre primeiro, do ponto de vista da cronologia de leitura e, como tal, uma pista (ou uma ferramenta para a descoberta/(re) construção do sentido 4 . 3 PERCURSOS TEMÁTICOS A questão do tema não é uma questão fácil, nem mesmo no âmbito da linguística do texto – e não é possível, neste espaço, desenvolver as razões para tal ou apontar perspe- tivas que tendam a ultrapassar a situação 5 . Limitar-nos-emos aqui a assumir a noção de percursos temáticos num sentido próximo da de percursos interpretativos a que recorre Rastier ou, de forma mais ampla, na perspetiva do pressuposto assumido por este autor, quando afirma: «Toute interprétation consiste en un parcours» (Rastier 2001: 118-119). Ajudará talvez a compreender a noção ver como o autor distingue, na perspetiva de descrição temática, a via lexicográfica (numa perspetiva de linguística do signo) e a via semântica (associada à linguística do texto): La voie lexicographique définit le thème comme un mot vedette, généralement un subs- tantif, auquel sont rapportés divers parasynonymes ou équivalents partiels. Un diction- naire de thèmes sera donc un sous-ensemble d’un dictionnaire. Cette voie est liée à une linguistique du signe. La voie sémantique, en revanche, relève de la linguistique du texte et ne confère pas de prééminence à un mot vedette identifié par son signifiant : elle spécifie le thème au sein de réseaux et récurrences et de transformations. Rastier (2001: 162) (destaque nosso). Se voltarmos ao caso com que estávamos a trabalhar, compreende-se facilmente que o tema não depende, pelo menos de forma exclusiva, do que se poderia consi- derar marcado pela ocorrência do nome (vedeta) futebol (nem mesmo em função do determinante e do modificador em ocorrência), dependendo antes, principalmente, de recorrências e transformações tecidas ao longo do texto. Uma análise necessariamente esquemática – e esquematizada – pode mostrar esse movimento, nos dois primeiros parágrafos do texto: 3 Fonseca, M. da (2002.) O futebol vivido. In Pessoas na paisagem, Lisboa, Caminho, 93-94. 4 Não sendo o objetivo do presente trabalho, faz sentido relembrar a importância destas questões em termos de didática do texto e/ou didática da leitura. 5 Para um desenvolvimento destas questões, tendo em conta o quadro epistemológico do Interacio - nismo Sociodiscursivo, veja-se Teixeira & Gonçalves (2014). Linguistica_2022_2_FINAL.indd 193 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 193 5. 01. 2023 07:29:23 5. 01. 2023 07:29:23 194 1º § O desporto, nesse tempo, não era só para ver – fazia-se. Destaca-se, em primeiro lugar, a ocorrência do hiperónimo (desporto), só depois se verificando a ocorrência do hipónimo, ou do candidato a hipónimo-vedeta (futebol). No entanto, cotextualizada, esta última ocorrência evidencia sobretudo a não hipervalorização do futebol relativamente a outras modalidades desportivas – que se verificava (ainda) «nesse tempo». Ao futebol, que logo se tornou a modalidade mais frequentada, assistiam os praticantes dos outros desportos. [...] 2º§ [...] . Num Portugal-Espa- nha, creio que o segundo, em futebol, lá estavam, excepto eu, todos os desportistas da capital. [...] A ocorrência de «um Portugal-Espanha», especificado como «o segundo, em futebol», reitera a não hipervalorização do futebol introduzida no 1º §. Para completar a análise, importa salientar a importância decisiva do primeiro seg- mento da abertura do texto («O desporto, nesse tempo, não era só para ver – fazia-se».): fica desde logo evidenciada, como já se disse, a deslocação do nome (vedeta) futebol a favor do hiperónimo (desporto); por outro lado, a localização temporal disjunta («nesse tempo»), que determina o tipo discursivo da ordem do narrar, aqui marcado pelas oco- rrências das formas verbais no pretérito imperfeito do indicativo, introduz de imediato uma oposição («o desporto, nesse tempo» vs [o desporto, neste tempo/hoje/agora]), que o corpo do texto não pode deixar de explicitar ou de alguma forma desenvolver. No- te-se ainda a ocorrência da negação polémica 6 , neste mesmo segmento, que faz ouvir, dialogicamente, o ponto de vista que é negado em «não era só para ver» (efetivamente enunciado, dependendo da instância que assume a responsabilidade enunciativa). Se juntarmos os aspetos agora elencados, pode dizer-se que o texto coloca à partida um ponto de vista não explicitado: numa primeira leitura, opõe-se «o futebol, nesse tempo, não era só para ver» a [o futebol, nesse tempo, era só para ver]; mas a importância da localização temporal (tanto mais que, como a seguir será destacado, o texto regressa, no último parágrafo, à localização temporal deítica, «ainda hoje») sugere que a oposição que importa reter é outra: «o futebol, nesse tempo, não era só para ver» vs [o futebol, neste tempo/agora/hoje, é só para ver]. O desenvolvimento da análise permitirá confirmar ou infirmar esta hipótese. De mo- mento, interessa salientar que os aspetos elencados se relacionam diretamente com dois dos tópicos de análise assumidos no início: percursos temporais e à volta dos sujeitos. Ainda que nos centremos sobretudo, nesta parte do trabalho, nos outros dois tópicos (à volta do sentido e percursos temáticos), tanto o que acaba de ser dito como alguns dos aspetos que serão ainda apresentados mostram que a análise (textual) do sentido não pode dispensar qualquer um dos tópicos considerados. 6 De acordo com Ducrot (1984: 217), a negação polémica contrapõe-se a um enunciador que é en- tendido como um ponto de vista e não coincide com a instância de produção de um discurso efetivo (Ducrot 1984: 217); note-se ainda que a negação polémica mantém os pressupostos e tem sempre um efeito ‘minorante’. Para um desenvolvimento com exemplos, veja-se Jorge & Coutinho (2009). Linguistica_2022_2_FINAL.indd 194 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 194 5. 01. 2023 07:29:23 5. 01. 2023 07:29:23 195 Recentrando a atenção sobre os percursos temáticos, repare-se como a asserção que inicia o 3º § assume uma função de organização textual – a decorrer tanto de uma leitura tendencialmente literal como do valor irónico-depreciativo associado no interdiscurso à expressão próxima «Portugal é Lisboa, o resto é paisagem» (que costuma ser atribuída a Eça embora o facto não pareça confirmado). Seja como for, a expressão em ocorrência abre uma secção do (plano do) texto que se espraia até final do 7º parágrafo com aponta - mentos primeiro sobre a paisagem propriamente dita, depois sobre as duas seleções, por fim sobre o jogo. Mantendo-se o tipo discursivo da ordem do narrar (predominantemente implicado), marcado pelas ocorrências de pretérito perfeito simples e pretérito imperfeito (e pelas ocorrências de primeira pessoa do singular, na flexão verbal, em sujeitos nulos e em formas pronominais), interessa assinalar que neles se integram segmentos de natureza descritiva, associada a frases nominais («Colinas com árvores e, ao meio, as duas filas de casas, cada uma de sua cor e feitio, da Alameda das Linhas de Torres») ou a constituintes frásicos («Houve belas correrias, choques, quedas, golos, [...]», por exemplo). Recorremos de novo a uma apresentação esquemática para tentar dar conta do mo- vimento do texto, na sua globalidade: 8º§ Mas este desafio faz já parte da história do futebol do nosso país. O conector argumentativo (introdutor de contra- argumento forte) assume função de organização textual, demarcando uma nova etapa do (plano do) texto – que, associada à emergência de um outro tipo discursivo (expor implicado), começa por caracterizar o episódio a que se dedicam os parágrafos 3 a 7 (o jogo «Portugal-Espanha») como parte da história do futebol português. A pré-história, a era da baliza-às-costas, não a conheci. Ouvi falar dela a Jorge Vieira, um dos jogadores das primeiras, se não da primeira, das selecções nacionais. O caráter contra-argumentativo que abre o parágrafo vê-se justificado pela saliência de que se reveste um novo dado – «A pré-história [do futebol]», entendida como «a era da baliza-às-costas» (dado que só pode ocorrer em função da ocorrência anterior da temática da história do futebol). Bem, mas na era da baliza- às-costas ninguém a ia ver. Pioneiros. Futebol puro. Tempo em que o futebol era simplesmente os futebolistas. A «era da baliza-às-costas» revela-se agora uma peça chave no sentido do texto: os segmentos destacados a negrito dão a ver o ponto de vista que se evidencia, de forma mais ou menos subtil, através da orientação axiológica positiva associada, por um lado, à adjetivação e, por outro, de forma antitética, à ocorrência do modificador adverbial «simplesmente». Em função destas ocorrências, pode-se considerar que o tipo discursivo da ordem do expor se mantém mais próximo da implicação do que da autonomia (apesar de não se constatarem neste segmento marcas explícitas de implicação). Linguistica_2022_2_FINAL.indd 195 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 195 5. 01. 2023 07:29:23 5. 01. 2023 07:29:23 196 9º§ Assim como ainda hoje, em terrenos baldios nos arredores da cidade, ou à beira da estrada pela província, uma dezena de rapazinhos sérios e concentrados, distantes de tudo e de todos, corpos descontraídos, leves, fintam e passam, rematam, sempre sérios e concentrados, ausentes do resto que os cerca. Poetas da bola. O 9º § – que, fechando o texto, nos parece candidato a «chave de ouro» – inicia-se com uma estrutura de ordem comparativa (marcada pela locução «assim como») mas também sustentada pelo adverbial temporal em ocorrência («ainda hoje»). Assim, o ponto de vista evidenciado no final do parágrafo anterior (o elogio do futebol no tempo em que era simplesmente os futebolistas) vê-se prolongado até ao presente, com uma validade sujeita a circunstâncias específicas («em terrenos baldios nos arredores da cidade, ou à beira da estrada pela província, [...]». Os sujeitos para quem «ainda hoje» o futebol é «simplesmente os futebolistas» são descritos como «uma dezena de rapazinhos sérios e concentrados, distantes de tudo e de todos, corpos descontraídos, leves». Mas talvez a única descrição que interesse seja a finalíssima: «Poetas da bola». Esperamos que o percurso realizado fale por si – e tenham ficado evidenciados os percursos através dos quais é possível aceder ao título, enquanto expressão (condensa- da) do sentido do texto. Nos pontos seguintes deste trabalho procuraremos agora encontrar na caracterização do(s) sujeitos e dos tempos uma continuidade de análise do que se apresentou anterior- mente. Olharemos para outros textos (outras crónicas) e tentaremos mostrar a relevân- cia dos sujeitos e dos tempos (gramaticais) para a construção da sua significação. 4 À VOLTA DOS SUJEITOS Quando se inicia a leitura de uma crónica é afirmado um ponto de vista que se relaciona diretamente com um sujeito enunciador (S 0 ) 7 , independentemente das formas gramati- cais que possam marcar os sujeitos sintáticos presentes nas diferentes frases e enuncia- dos que individualizam esse texto e o localizam no tempo e no espaço. Assim, e de forma a perceber-se como interagem as formas e as construções linguís- ticas que caracterizam um dado texto 8 , parte-se do princípio de que toda a atividade da linguagem é uma atividade dupla de produção e de reconhecimento de formas, orga- nizando-se a partir de dois polos: o da produção – construção da significação – e o do reconhecimento, em que se dá a reconstrução da significação. Ao associarmos a estes 7 Seguiremos, nesta análise, a terminologia e a notação propostas nos trabalhos desenvolvidos por, e.o., A. Culioli (1990). 8 Esta definição – muito simples – é, como se viu anteriormente (cf. e.o., Bronckart 1997, Coutinho 2019), muito redutora para uma discussão sobre texto. Usamo-la aqui apenas como suficiente para a análise das formas e das construções que permitem enquadrar a subjetividade como marcas dis - tintivas – e relevantes – na caracterização da ‘crónica’. Linguistica_2022_2_FINAL.indd 196 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 196 5. 01. 2023 07:29:23 5. 01. 2023 07:29:23 197 polos as vertentes de representação – ou o encadeamento não sequencial de operações (sendo a mais importante a operação de localização abstrata), de referenciação - através da qual se instaura o Sistema Referencial (Sujeito | Tempo/Espaço da Enunciação) e de regulação que interage quer no plano da representação, quer no plano da referenciação, poderemos encontrar de forma estável as possibilidades que desencadeiam as relações intersubjetivas (i.e., entre diferentes sujeitos) presentes nas diferentes línguas naturais. A Fig.2 9 mostra como as entidades que permitem a interpretação dos textos se interre- lacionam a partir da relação intersubjetiva que evidenciam. Figura 2. Relações (inter)subjetivas Note-se que, com base nesta proposta, o que parece ser central é o conjunto de operações que podem ser desencadeadas através da relação que as diferentes marcas de sujeito podem estabelecer com o sujeito da enunciação (S 0 ). O sujeito da enunciação é, assim, o localizador último das relações intersubjetivas que ocorrem num texto, po- dendo ou não coincidir com S 1 – sujeito da locução, com S 2 – sujeito do enunciado sintático, ou com S 3 – sujeito marcador de mediativo. S 0 define-se, assim, como o ponto de referência gerador de um dado ponto de vista. A observação de três excertos de três crónicas 10 permite-nos encontrar uma clara exemplificação do que foi afirmado acima: 9 A Figura 2 teve por base uma proposta de Janine Bouscaren (s/d) sobre a arquitetura da Teoria Formal Enunciativa. 10 A cada excerto está associado um autor. Em cada caso representamos os autores pelas suas iniciais: Lídia Jorge (LJ), Maria João Costa (MJC) e VPV (Vasco Pulido Valente). A referência completa das crónicas pode ser consultada no final deste artigo. O papel dos sujeitos (i) identificação diferenciação rutura estrela Sujeito do enunciado Sujeito da locução S0 LÍNGUA NATURAL (qualquer) S2 | Sn Grupo Nominal Co localiza Linguistica_2022_2_FINAL.indd 197 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 197 5. 01. 2023 07:29:24 5. 01. 2023 07:29:24 198 «Estamos na Primavera de 2019. Na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, encon- tra-se em exibição, desde Março, uma das mais interessantes exposições exibidas alguma vez para aquele espaço [...] Desta vez trata-se de uma mostra sobre o cérebro humano [...]» LJ «Poderia lembrar os seus livros, as suas personagens, a sua vida, mas neste momento recordo o instante em que partilhamos um banco de um claustro da universidade de Barcelona. [...] Conversamos e não foi sobre livros. Recordo o seu vestido de flores miúdas, [...]. Na memória dos sentidos ficará o riso de Agustina, um riso com que terminava as frases da nossa conversa que não foi sobre livros, mas sobre gatos. [...]» MJC «Quando, no sábado passado, Salvador Sobral ganhou o Festival da Eurovisão, toda a gente começou a dizer que ‛nós tínhamos ganho’, que ‛nós éramos os melhores’ e mesmo ‛os melhores dos melhores’. Nem o Presidente da República, nem o primeiro-ministro es- caparam a esta absurda identificação. Pior ainda: indivíduos sem a mais leve autoridade na matéria não se coibiram de explicar publicamente a natureza e qualidades da música de Luísa Sobral que acharam ‛simples’ (não é), ‛diferente’ (de quê?) e com tanto ‛senti- mento’ que ia ‛directa ao coração’ (um comentário idiota e nulo). [...]» VPV Estes excertos integram crónicas publicadas em suportes diferentes, para além de pertencerem, naturalmente, a autores diferentes. Cada uma dessas crónicas fala de al- guém /ou de alguma coisa, mas a forma como esse ‘objeto’ é construído reforça de algum modo a emergência do sujeito enunciador, que se salienta através de formas gramaticais que não estão, gramatical e tradicionalmente, associadas à definição de um ‘sujeito’. É o caso do recurso a formas valorativas como «[...] uma das mais interes- santes exposições exibidas alguma vez para aquele espaço. [...]» (LJ), ou o comentário/ contraponto, marcada no texto de VPV através da construção de discurso parentético: «[...] acharam ‘simples’ (não é), ‘diferente’ (de quê?) e com tanto ‘sentimento’ que ia ‘directa ao coração’ (um comentário idiota e nulo) [...]». Qualquer um destes recursos linguísticos evidencia no texto a presença de S 0 . Se na crónica de LJ as formas grama- ticais de sujeito são simultaneamente marcas de sujeito sintático e marcas de sujeito 11 responsável pela enunciação – «ø Estamos [...]», / «ø Poderia [...]» –, no texto de VPV é o nome que assina o texto que permite identificar a responsabilidade enunciativa (neste caso, VPV). As diferentes formas que nos permitem perceber como se salienta S 0 em cada um destes textos resultam, de acordo com o que se representou na Fig. 2, de operações enunciativas diferentes: se no texto de LJ (e de MJC) existe uma clara identificação entre S 0 e S 2 (o sujeito sintático e o sujeito da enunciação pode ser representado por ‘eu’), no texto de VPV parece existir uma dupla operação de rutura: a rutura entre o que ‘eles dizem’ e o que ‘eu acho /penso’, mas também entre dois planos discursivos 11 Por mero acaso, em qualquer destes exemplos, as marcas de sujeito sintático não são realizadas através de formas gramaticalmente explicitadas (eu/nós), mas recuperadas através da flexão verbal, já que o português é, como se sabe, uma língua de sujeito nulo. Linguistica_2022_2_FINAL.indd 198 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 198 5. 01. 2023 07:29:24 5. 01. 2023 07:29:24 199 - o deles (o que eles dizem) – e o meu (o que eu penso sobre o que eles dizem). Neste caso essa rutura é marcada linguisticamente pela presença de informação parentética que sublinha o ponto de vista de S 0 . Será importante sublinhar que o título desta crónica «Eles e nós» 12 pode gerar algum interesse. Neste caso a forma pronominal ‘nós’ não tem qualquer valor inclusivo, o que reforça, de forma clara, a nossa proposta sobre a operação de rutura que incide sobre planos enunciativos distintos (aquilo que aqui pro- pomos como ‘rutura de natureza ‘mediativa’ 13 ). 5 PERCURSOS TEMPORAIS: A DUALIDADE ENTRE CONTAR (O PASSADO) E FALAR (O PRESENTE) Aceita-se, de uma forma geral, que o tempo da enunciação, a par do sujeito constitui um dos pilares do sistema referencial. Assim, enquanto categoria gramatical, o tem- po manifesta-se nas línguas através de marcas linguísticas específicas, podendo asso- ciar-se às propriedades de outras categorias gramaticais. Esta ideia, muito geral, pode aqui ser parafraseada, por exemplo, a partir de Langacker (2000: 220): Tense [is the] primary grounding element of a finite clause, which profiles a grounded instance of a [process] type [i.e., a lexical verb]’. Hence, tense is one kind of ‘grounding predication’, whose function is to locate the clausal profile, i.e., the process denoted by the verb in the finite clause, in relation to the ground (the time of the speech event, the participants, and any immediate circumstances). Se observarmos alguns excertos das crónicas em análise vamos encontrar sistema- ticidades que importa referir: a construção da referência temporal assenta, regra geral, na construção de sequências marcadas com formas (e valores) de verbos flexionados no pretérito ou no presente. Regra geral o valor de presente permite uma leitura de sobre- posição temporal dos acontecimentos linguísticos construídos; a localização temporal é reforçada por adverbiais temporais, que permitem relevar o valor deítico das situações construídas, como se pode observar, por exemplo, em sequências como: Estamos na Primavera de 2019. Na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, encon- tra-se em exibição, desde Março, [...]/ LJ / «[...] neste momento recordo o instante em que partilhamos um banco de um claustro da universidade de Barcelona. [...] MJC / Quando, no sábado passado, Salvador Sobral ganhou o Festival da Eurovisão, toda a gente começou a dizer que... [...] VPV. Para cada uma das situações referidas acima, os valores temporais reforçam a dualidade entre a necessidade de localização em relação a um tempo anterior a T 0 (passado, nas suas diferentes formas) e a presentificação de um dado estado de coisas, sendo esta presentificação o que, possivelmente, justifica a crónica em si, e valida 12 Eles e Nós (21 maio 2017). 13 Sobre o mediativo em português v., e.o., Campos 2001, Duarte 2009, Oliveira 2014. Linguistica_2022_2_FINAL.indd 199 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 199 5. 01. 2023 07:29:24 5. 01. 2023 07:29:24 200 o ponto de vista do sujeito enunciador que a produz. Se se aceitar, tal como Givón 2001 preconiza, que «[...] [the] category tense involves the systematic coding of the relationship between two points along the ordered linear dimension of time. [...]», poderemos entender a linearidade temporal que se observa, por exemplo, nestas cró- nicas, como uma constante diferenciadora deste género de textos em relação a outros géneros textuais que coocorrem no mesmo espaço editorial, por exemplo 14 . Aquilo que talvez importe ser sublinhado prende-se com a evidência que pode ser, para já, alvo de observação: nas crónicas analisadas existe uma sequencialidade temporal mais ou menos constante - passado > presente. As formas de presente desencadeiam uma característica que parece ser transversal aos três textos, visível através da predo- minância de valores deíticos de natureza temporal e do reforço de um valor aspetual não perfetivo (mesmo quando a situação se desenvolve numa trajetória de passado vs presente). De entre as várias formas que integram cada um dos textos – e que po - deriam ilustrar os percursos temporais presentes nas crónicas em análise – reteremos a construção perifrástica ‘começar a Vinf’ 15 como marcadora do valor de presentifi- cação referido anteriormente. É comummente sabido que as construções perifrásticas em línguas como o portu- guês desencadeiam valores diferentes, podendo ser marcadoras de categorias como o tempo, o aspeto ou a modalidade. Começar a Vinf ilustra, tradicionalmente, o valor aspetual de incoativividade de um dado estado de coisas. Esta definição só por si é satisfatória, mas numa análise mais complexa pode mostrar-se que o valor de começar a Vinf está dependente das propriedades semânticas associadas não só ao verbo no in- finitivo, como a todo o enunciado em que ocorre 16 . Assim, se é verdade que começar a Vinf marca o início de um dado acontecimento linguístico, a interpretação desse acon- tecimento poderá ser diferente consoante as diferentes configurações em que ocorre 17 . No caso do exemplo que agora nos interessa, presente na crónica de VPV referida aci- ma – «[...] toda a gente começou a dizer que ‘nós tínhamos ganho’, que ‘nós éramos os melhores’ e mesmo ‘os melhores dos melhores’. [...]» – será importante sublinhar, mais do que o valor incoativo que está associado a essa perífrase, um valor de iteratividade 14 Se pensarmos na imprensa escrita, por exemplo, editoriais, textos de opinião; mas não sendo este o objeto deste trabalho, esta afirmação deve ser entendida como uma linha orientadora para trabalho futuro. 15 A escolha desta construção deve-se a duas ordens de razão: começar a Vinf exemplifica o percurso temporal que pretendemos apresentar acima mas, por outro lado, o estudo das perífrases constitui um objeto de estudo privilegiado de Jasmina Markič tanto para o espanhol, como para o português. Para além disso, a autora refere que esta é uma das (raras) perífrases usadas em esloveno: «[...] O esloveno não tem este tipo de estruturas verbais [perífrases aspetuais]. [...] Excetuam-se as perí - frases verbais denotadoras das fases inicial [do acontecimento linguístico] (começou a ler o jornal - začel je brati časopis) ou final (deixou de ler o jornal – (pre)nehal je brati časopis) [...]» (Markič 2013b). 16 Sobre as características desta perífrase ver, e.o, Alzamora & Correia (2019). 17 Veja-se as diferentes interpretações que estão associadas a exemplos como ‘começar a ler aos 4 anos vs começar a ler os Maias / começar a correr às 10h / começar a ser parvo /começar a pensar, .... Linguistica_2022_2_FINAL.indd 200 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 200 5. 01. 2023 07:29:24 5. 01. 2023 07:29:24 201 que permite trazer o acontecimento linguístico como uma repetição, eternamente atua- lizada, sem qualquer delimitação. Esta iteratividade assume um valor universal quer temporalmente, quer subjetivamente (reforçado pelo SN ‘toda a gente’), sabendo-se, como se viu anteriormente, que esta universalidade é contrariada pela dissociação as- sumida entre S O e ‘toda a gente’, mostrando o autor a não universalidade possível de um quantificador universal. 6 CONCLUSÕES Mas, agora, estou eu a pensar: como sabes tu que fazes crónicas? - Hem? - Sim. Que é que define, que separa a crónica dos outros géneros literários? Deitei conhaque no cálice, bebi um gole. - Bom... É um breve assunto. Um breve acontecimento. Um breve discorrer sobre uma ideia. Tratamento? Satírico, trágico, lamechas. Tanto faz. Mas breve, leve, tratado le- vemente. Uma rosa. Uma manhã de chuva. Uma lágrima no rosto de uma criança. Uma mulher que sorri. Qualquer destes casos pode ser uma crónica. Desde que seja breve. Ou, então, longa e épica. Cheia de batalhas. Assassinatos. Glórias e derrotas. Prisões. Degredos. Destinos frustrados. Conquistas. E sempre dramática e longa como séculos de história da vida de um povo. Entendeste? - Não. Uma coisa que pode ser tantas coisas não é coisa nenhuma. - Pois é isso mesmo uma crónica. É tudo. E ainda muito mais. (Fonseca 2022: 86) Escolher uma parte de uma crónica de Manuel da Fonseca para apresentar algumas conclusões para este trabalho pode parecer de algum modo desadequado: tudo o que se pode dizer sobre uma crónica já todos os autores aqui referidos o souberam dizer de forma clara e interessante. Mas esta escolha não incidiu só sobre o que suporta uma crónica: a brevidade, a diversidade de temas (‘pode ser tantas coisas e não é coisa nen- huma’), a plasticidade de formas e construções que podem ser utilizadas, as fronteiras entre este e outros géneros, tudo isto já foi dito (de forma magnífica) por Eça de Queirós ou Manuel da Fonseca. Portanto a razão terá de ser outra. E a razão que encontrámos prende-se com o facto de esta crónica ‘retratar’ – de alguma forma – o trabalho que suporta a investigação que subjaz a este artigo: ele resultou de uma ideia, de uma reflexão, da ativação de muitas ferramentas, às vezes inesperadamente próximas, apesar de distantes (metodológica e teoricamente). É assim que vemos o trabalho que desenvolvemos quando investigamos ou quando damos au- las. Nunca chegamos a conclusões definitivas. E por isso é que pensámos nas crónicas como objeto de análise. Porque permitem que falemos do tempo, dos sujeitos, dos te- mas, e do sentido, que juntemos formas e construções e que, com tudo isso, possamos de forma breve contribuir para ajudar a que todos possamos ter um melhor conheci- mento do português. Linguistica_2022_2_FINAL.indd 201 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 201 5. 01. 2023 07:29:24 5. 01. 2023 07:29:24 202 Referências ALZAMORA, Helena/CORREIA, Clara Nunes (2019) «Começar com começar: leitu- ras sobre as configurações de começar em PE». Revista da Associação Portuguesa de Linguística 5, 33-42. BRONCKART, Jean-Paul (1997) Activité langagière, textes et discours. Pour un inte- ractionisme socio-discursif. Lausanne: Delachaux et Niestlé. CAMPOS, Henriqueta Costa (2001) «Enunciação mediatizada e operações cogniti- vas». Em: A. Soares Silva (ed), (2001) Linguagem e Cognição: A Perspectiva da Linguística Cognitiva. Braga: APL/UCP- Faculdade de Filosofia de Braga, 325-340. COSERIU, Eugenio (2007) Linguística del texto. Introducción a la hermenêutica del sentido. Madrid: Arco/Libros, S.L. COUTINHO, Antónia (2019) Texto e(m) linguística. Teorias, cruzamentos, aplicações. Lisboa: Edições Colibri. CULIOLI, Antoine (1990) Pour une linguistique de l’énonciation Tome 1. Paris: Ophrys. CULIOLI, Antoine (1995) Cognition and representation in Linguistic Theory. Amster- dam: John Benjamins Publishing Company. CULIOLI, Antoine (1999) «Subjectivity, invariance, and the development of forms in the construction of linguistic representations». Em: C. Fuchs/S. Robert (eds), Language Diversity and Cognitive Representations. Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 37 -52. DUARTE, Isabel Margarida (2009) «Le ‘futuro perfeito’ portugais: un marqueur de médiatif». Faits de Langues 33(1), 111-117. DUCROT, Oswald (1984) Le dire et le dit. Paris: Les Editions de Minuit. FUCHS, Catherine/Stéphane ROBERT (eds), (1999) Language Diversity and Cogniti- ve Representations. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company. GIVÓN, Talmy (2001) Syntax: An Introduction. Amsterdam/Philadelphia: John Ben- jamins Publishing. JORGE, Noémia/Antónia COUTINHO (2009). «A lítotes como estratégia argumen- tativa». Em: A. Moreno (org.). Cadernos WGT – A negação (pp. 55-64). Lisboa / CLUNL. URL: https://clunl.fcsh.unl.pt/wp-content/uploads/sites/12/2017/07/N.- Jorge-M.-A.-Coutinho.pdf LANGACKER, Ronald W. (2000) Grammar and Conceptualization. Berlin: De Gruyter. MARKIČ, Jasmina (1990) «Sobre las perífrasis verbales en español». Linguistica 30, 169-206. MARKIČ, Jasmina (2013a) «El día en que lo iban a matar: las perífrasis verbales en Crónica de una muerte anunciada». Colindancias 4, 289-303. MARKIČ, Jasmina (2013b) «Reflexões sobre o aspeto verbal: estudo contrastivo es- loveno – português». Em: J. Markič/C. N. Correia (eds), Descrições e contrastes - tópicos de gramática portuguesa com exemplos contrastivos eslovenos. Ljubljana. Univerza v Ljubljani, Filozofska fakulteta, 59-70. Linguistica_2022_2_FINAL.indd 202 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 202 5. 01. 2023 07:29:24 5. 01. 2023 07:29:24 203 OLIVEIRA, Teresa (2014) «Enunciação mediatizada na imprensa portuguesa e bra- sileira: um estudo de caso». Estudos Linguísticos/Linguistic Studies 10, 209-218. RASTIER, François (2001) Arts et sciences du texte. Paris: PUF. TEIXEIRA, Carla/Atilde GONÇALVES (2014) «A análise temática de textos: entre o Interacionismo Sociodiscursivo e a Semântica Textual». Estudos Linguísticos/ Linguistic Studies 9, Edições Colibri/CLUNL, 155-175. Crónicas referidas no texto Eça de Queirós, em Distrito de Évora, nº1 6/1/1867. https://www.citador.pt/ textos/o-valor-da-cronica-de-jornal-eca-de-queiros. Lídia Jorge «Emily e o cérebro». Em: Em todos os sentidos. Lisboa: Dom Quixote, 2020, 95-100. Maria João Costa «Agustina uma escritora felina», RR, 03 de junho 2019. https://rr.sa- po.pt/noticia/vida/2019/06/03/agustina-uma-escritora-felina/153602/. Manuel da Fonseca. «Talvez uma crónica». Em: Pessoas na paisagem. Lisboa: Camin- ho, 2002, 81-86. Manuel da Fonseca «O futebol vivido». Em: Pessoas na paisagem. Lisboa: Caminho, 2002, 93-94. Vasco Pulido Valente «Eles e nós». 21 de maio de 2017. https://observador.pt/espe- ciais/de-guterres-a-pedrogao-de-cavaco-a-marcelo-10-cronicas-de-vasco-puli- do-valente-no-observador/. Resumo À VOLTA DAS CRÓNICAS: RELAÇÕES ENTRE GRAMÁTICA & TEXTO Na vasta bibliografia de Jasmina Markič encontramos uma preocupação constante em apresentar trabalhos sobre formas e construções, presentes em diferentes línguas, que se caracterizam por basearem a sua análise em suportes textuais. Neste artigo, a partir do estudo do sequenciamento de formas e construções gra- maticais presentes em crónicas, procuramos demonstrar de que forma as diferentes construções gramaticais são responsáveis pelas características que permitem a indivi- dualização dos textos que se inscrevem sob esta etiqueta. Nesta análise, focamo-nos, assim, nas relações que se definem entre os diferentes tópicos gramaticais no estudo de diferentes textos, ativando nesta discussão os conceitos de género textual, de plano de texto e de tipos discursivos. Palavras-chave: crónica, percursos temáticos, percursos temporais, sentido, sujeito(s) Linguistica_2022_2_FINAL.indd 203 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 203 5. 01. 2023 07:29:24 5. 01. 2023 07:29:24 204 Abstract AROUND THE CHRONICLES: RELATIONSHIPS BETWEEN GRAMMAR & TEXT In Jasmina Markič’s vast bibliography, we find an enduring interest in contrastive per- spectives on forms and constructions in different languages based on textual analysis. In this article, based on an analysis of the sequencing of forms and grammatical construc- tions in chronicles, we seek to demonstrate how different grammatical constructions contribute some of the key linguistic characteristics of texts categorised as ‘chronicles’. In this analysis, we center upon a variety of grammatical relations and constructions typical of chronicles, focusing on how they affect on the concepts of genre, text plan and discursive type. Keywords: chronicle, thematic paths, temporal paths, meaning, subject(s) Povzetek O KRONIKAH: RAZMERJA MED SLOVNICO IN BESEDILOM V obsežni bibliografiji Jasmine Markič najdemo številne prispevke, ki se naslanjajo na kontrastivno analizo oblik in jezikovnih konstrukcij v različnih jezikih, pri čemer velik del njene analize izhaja iz pripovednih besedil. V tem članku skušamo na podlagi analize zapoednja in slovničnih oblik, pristotnih v kronikah, pokazati, kako so različne slovnične konstrukcije odgovorne za značilnosti, ki omogočajo individualizacijo besedil, vpisanih pod oznako »kronika«. Osredtočamo se razmerja, ki so opredeljena med različnimi slovničnimi temami v preučevanju kroni- ke, pri čemer aktiviramo koncept žanra, besedilnega načrta in diskurzivnih tipov. Ključne besede: kronika, tematske poti, časovne poti, pomen, subjekt(i) Linguistica_2022_2_FINAL.indd 204 Linguistica_2022_2_FINAL.indd 204 5. 01. 2023 07:29:24 5. 01. 2023 07:29:24