Markič, Jasmina e Nunes Correia, Clara (eds.) (2013): Descrigöes e contrastes. Topicos de gramatica portuguesa com exemplos contrastivoseslovenos. Ljubljana: Znanstvena založba Filozofske fakultete. pp. 152. O trabalho publicado e o primeiro manual de portugues no espago da lingua eslovena, destinado principalmente aos alunos eslovenos de linguas romanicas da Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Ljubljana. O estudo da lingua e da literatura portuguesas esta apenas a abrir o caminho para um dia se tornar curso de licenciatura, percurso que o castelhano realizou e alcangou em 1982, e o frances e o italiano, obviamente, ainda muito mais cedo. O manual, no entanto, destina-se tambem aos alunos de outros cursos de lingua e, por ultimo, mas nao menos importante, a todos aqueles que se sentem atraidos por esta lingua roma-nica. Alem disso, mas numa escala menor, o manual destina-se tambem aos alunos portugueses que atraves do esloveno desejam conhecer algumas das questÖes-chave do mundo das li'nguas eslavas. A etiqueta 'manual' e apenas parcialmente correta. Parte do pressuposto de que o aluno esloveno que consultar o livro ja tera alguns conhecimentos basicos e estaveis da li'ngua portuguesa, embora para um estudante estrangeiro, um nao-portugues, sejam sempre muito uteis, por exem-plo, as tabelas das conjugagÖes verbais ou das formas de pronomes. O manual foi concebido como um manual contrastivo, e o ni'vel cienti'fico e muito alto. E fruto da colaboragao de duas faculdades de orientagao humani'stica, ou seja, a Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Ljubljana e a Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. E nessas duas instituigÖes cienti'fico-educacionais que exercem as suas atividades cienti'ficas e pedagogicas todos os colaboradores, ou melhor dizendo, corrigindo esta ultima asseveragao, todas as colaboradoras neste projeto, pois a tarefa dificil de contrastar as questÖes fundamentais das duas li'nguas em causa foi assumida por varias cientistas. Os capi'tulos escolhidos, ou seja, os topicos da gramatica portuguesa atingem as questÖes verdadeiramente mais difi'ceis da morfossintaxe. Os outros capi'tulos da lingua portuguesa nao sao tratados no livro, pelo menos so por enquanto, como e de esperar. As questÖes basicas sao muitas, e logo para a area do verbo e suficiente referir uma das particularidades do portugues, nomeadamente o infinitivo pessoal, ou seja, o infinitivo que marca a pessoa verbal, o que constitui, tanto para os falantes nao lusofonos duma das li'nguas romanicas como para os bons conhecedores de uma lingua romanica, uma surpresa total e, por isso, um fenomeno tanto mais surpreendente para um aluno esloveno. For outro lado, o aluno portugues pode ter problemas com a aquisigao das declinagoes de substantivo, dado que as li'nguas romanicas nao conhecem as declinagoes, com a pequena excegao do romeno. Assim, foi uma decisao razoavel apresentar no manual os padroes das declinagoes de substantivos. For outro lado, e extremamente difi'cil para o aluno esloveno o uso correto de preposigoes que nas li'nguas romanicas, na posigao ao lado do substantivo petrificado, substituiram as declinagoes. Outro problema que pode surgir para um estudante portugues parece ser tambem a existencia do dual, tanto no caso do verbo como no caso do substantivo e do pronome. A marcagao do dual e uma das peculiaridades da nossa lingua. O manual e concebido muito ambiciosamente: sao tratadas as questoes-chave mais relevantes para o conhecimento do portugues, nomeadamente o prono-me pessoal e o demonstrativo, o artigo tanto definido como indefinido e, com uma preocupagao especial, o verbo, sempre em contraste com a situagao em esloveno, no seu aspeto, tempo e modo. A abordagem e sincronica, tratando-se o estado atual da lingua, e dando-se na maioria das vezes enfase ao facto de que a variedade que se apresenta e o portugues europeu e que na variedade brasileira desta mesma lingua ha fenomenos lingui'sticos diferentes. Assim, por exemplo, menciona-se a colocagao do pronome ao lado da forma verbal, e chama-se a atengao para a estabilidade da estrutura estar + gerundio como expressao dum estado, o que coincide, por exemplo, com a situagao em ita-liano (stare leggendo), enquanto se desenvolveu, no portugues europeu, uma peri'frase verbal constitui'da pelo mesmo auxiliar, so que acompanhada de uma preposigao e um infinitivo, parecida a do frances (etre en train de lire). Fro-blemas lingui'sticos sao apresentados em sincronia, ou seja, trata-se a lingua moderna. Apenas Maria Teresa Brocardo apresentou uma visao diacronica, nomeadamente em relagao a emergencia do artigo definido na posigao ao lado do nome e em relagao aos valores e ao uso dos paradigmas verbais do passado. A esta analise a professora muito adequadamente deu o ti'tulo O preterito perfeito composto - origem e evolugäo historica. A filologia romanica dificilmente renuncia a possibilidade de comparagoes com as estruturas latinas, com a fase anterior das li'nguas romanicas. As li'nguas germanicas, no entanto, nao conhecem tais comparagoes e menos ainda as li'nguas eslavas. Fara clarificar o uso deste sintagma verbal no passado, sao muito valiosas as averiguagoes da autora de que em portugues antigo e medio, ate aproximadamente meados do seculo XVI, no caso de um pequeno numero de verbos intransitivos como chegar, nascer ou morrer ainda encontramos como auxiliar das formas compostas o verbo ser. Os textos literarios do mesmo periodo, principalmente as cronicas, testemunham, no entanto, que entre o uso do paradigma simples herdado do latim e o paradigma composto romanico ja nao ha diferengas semanticas. A autora chama a atengao para tal construgao, que na realidade nem e realmen-te uma inovagao romanica, porque a conheciam os verbos depoentes latinos tanto para acgoes como para estados. Ha exemplos que atestam que na epoca antiga o participio ainda concordava com o nome e ainda nao fora endurecido, como e hoje em dia. Especialmente para o portugues, sera importante notar que na mesma epoca antiga aparecem como auxiliares tanto haver como ter, que como verbos de significagao plena nao eram totalmente equivalentes. Maria Teresa Brocardo prova que haver denota uma posse permanente, estrita, o que e, naturalmente, evidente a partir do contexto (X ha um filho, X ha nome, 'chama-se'), enquanto o verbo ter serve para denotar uma relagao temporaria, transitoria ('posse temporaria'). A autora observa ainda que a nao-concordan-cia do participio com o substantivo ja e dominante nos textos do seculo XV e que naquela epoca frequentemente ocorre como auxiliar o verbo ter. A mesma linguista ainda tratou diacronicamente outro capitulo do sistema morfossinta-tico do portugues, o uso do artigo definido e parcialmente tambem do artigo indefinido. A autora observa alguma discordancia entre a lingua da Idade Media e a situagao atual: a norma, pelo menos em portugues europeu, exige o uso do artigo definido na anteposigao do pronome possessivo, o meu pai, ao passo que os textos literarios do final da Idade Media, muitas vezes, apresentam so o pronome possessivo. O manual e principalmente uma ajuda valiosa para o aluno ou aluna do espago da lingua eslovena, ansioso ou ansiosa por adquirir conhecimentos do portugues. No entanto, para alunos portugueses sao cuidadosamente registadas as formas de declinagoes do substantivo, e para as duas linguas em compa-ragao tambem, obviamente, os paradigmas verbais; os chamados paradigmas verbais "irregulares" sao apresentados de forma muito clara. Para portugues, nao so encontramos aqueles paradigmas notorios, que ha muitos, ao contrario da lingua eslovena, que nao tem verbos irregulares, com excegao do verbo de existencia que assumiu o papel de auxiliar na formagao das formas verbais compostas. Alem das formulas muito peculiares, o verbo portugues apresenta tambem alguns tragos muito exigentes para estrangeiros. Tomemos em consi-deragao, e para clarificar o assunto, verbos como perder, na pessoa do singular perco, ou vir, venho. O manual refere-os claramente: e destinado para os alunos eslovenos que tem que ter a sua disposigao tambem o lado morfologico do portugues. O que temos diante de nos e um manual sui generis, concebido altamente (qual o sentido aqui?), dado que sao tratados so dois conjuntos da morfossintaxe, embora estes dois de uma maneira exaustiva: o pronome, tan-to o pessoal, e em particular o demonstrativo, como tambem, por causa da completude da formula, o indefinido, e o verbo em todos os seus aspetos mais atrativos e exigentes: tempo, aspeto e modo. Nao surpreende que mais atengao se preste a situagao lingui'stica atual, ou seja, que na elaboragao do manual pre-domine a visao sincronica da lingua, tanto para o uso dos determinantes bem como para o verbo, ja que o livro se destina para este fim. Encontramos des-te modo as analises elaboradas para o portugues contemporaneo nos estudos da Clara Nunes Correia e da Maria Francisca Xavier, sem esquecer de fazer acompanhar o sistema da lingua portuguesa com uma apresentagao da lingua eslovena, o que foi exemplarmente realizado por Mojca Medvedšek e Blažka Müller Pograjc. Mediante tabelas, tanto no caso do verbo como no caso dos pronomes, e dada a oportunidade de comparar as duas linguas, com respeito as formas e tambem com exemplos quando ha desacordos entre elas. Mais especificamente, desacordos em morfossintaxe, ou mesmo quando ha valores semanticos diferentes. Assim, no caso de certos verbos, sao registados alguns exemplos, como hä tres dias 'tega je tri dni', o que nao e traduzivel em esloveno com o verbo haver. Com isso, estamos ja no campo da esfera de difi'cil uso de tempos verbais, o tema que as autoras resumiram numa formula sintetica aspeto - tempo - modo. No que respeita ao aspeto, a caracteri'stica mais impor-tante sera que as li'nguas eslavas, e no contexto eslavo tambem o esloveno, tem um sistema completo para esta dimensao do verbo em todos os paradigmas dos tempos verbais. No entanto, no ambito das li'nguas romanicas, e portanto tambem em portugues, o aspeto, entendido principalmente como uma opo-sigao entre o perfetivo e o imperfetivo, revela-se nitidamente, na esfera do passado, na oposigao do preterito perfeito simples ou composto em contraste com o imperfeito. Note-se que na esfera do presente, para expressar o aspeto, e necessario encontrar alguma outra possibilidade, por exemplo, recorrer ao emprego de uma das peri'frases verbais. Dedicou ao aspeto verbal um estudo exaustivo Jasmina Markič. Observa que em esloveno a oposigao entre o valor aspetual perfetivo e o valor aspetual imperfetivo e de indole essencial e em todos os contextos relativamente bem visi'vel, enquanto em portugues, salvo na oposigao morfossintatica que acabamos de referir, so quando a agao verbal esta expressa por dois verbos diferentes: por exemplo, dizer - falar. Esta possibilidade e bem conhecida tambem em esloveno, com a oposigao na semantica dos verbos reči - govoriti. Nao obstante, e preciso ter em conta tambem outra dimensao, chamada Aktionsart na literatura alema sobre o verbo (em portugues talvez a melhor denominagao fosse agäo verbal). A linguista eslovena admite que em alguns contextos se podera considerar neste termo tambem o domi'nio morfologico, embora, obviamente, sobretudo lexical, sabendo que o aspeto e uma expressao morfossintatica, em que o verbo denota as diferentes realizagoes de acontecimentos lingui'sticos, nomeadamente iteragao, ini'cio ou resultado duma agao. Refere tambem que os verbos imperfetivos eslovenos se tornam perfetivos mediante diversos e numerosos prefixos, por exemplo, od para o verbo odpeljati, o que se pode traduzir adequadamente para o portugues com transportar algo a algum lugar. Para o verbo sentar em esloveno, e possi'vel detectar tres aspetos diferentes: sedam (agao imperfetiva e iterativa: sento-me repetidamente), sedem (agao perfetiva: sento-me), sedim (estado: estou sentado). A hispanista eslovena dedicou uma atengao especial as peri'frases verbais, sendo estas portadoras de valores temporais ou aspetuais. Neste sentido, aceita os pressupostos lingui'sticos de que as peri'frases se gramaticalizam ao longo do tempo e neste processo vao perdendo o seu conteudo lexical. Para a romanista tal fenomeno nao e surpreendente, dado que no latim falado o mesmo esva-ziamento lexical aconteceu aos verbos esse e habere que antigamente tinham significados plenos. A investigadora verifica que a lingua eslovena nao possui muitas peri'frases verbais, por isso e preciso marcar, por exemplo, um estado no presente mediante algum adverbio temporal, por exemplo, na oragao O Jose esta a ler o jornal, alias, em portugues do Brasil um pouco diferente: esta lendo o jornal. Explica para o estudante portugues que a tradugao mais adequada para esloveno seria Jože bere časopis zdaj, v tem trenutku. Atualidade, ou seja, a situagao a decorrer no momento presente e dada com o adverbio temporal. A lingua eslovena, para marcar modalidade, nao conhece o modo conjuntivo, que as li'nguas romanicas herdaram do latim. Por esta razao e adequado ou ate preciso que o manual de atengao ao uso do conjuntivo tanto nas frases subor-dinadas como E muito provavel que chova, onde se marca o conteudo hipoteti-co ou incerto, como nas subordinadas, cuja frase principal ou subordinante expressa um desejo: Quero que fagas isto. Em esloveno, no entanto, e possi'vel expressar uma opiniao pessoal ou tal desejo com o condicional na frase subor-dinada. As vezes tambem com o futuro. O manual trata de mais uma area importante: o uso e os valores dos pronomes e o uso do pronome demonstrativo, relacionado com o uso do artigo definido ou indefinido. Podemos observar que nao ha grandes diferengas entre o uso basico dos pronomes pessoais, sendo que a maior dificuldade para o usuario esloveno esta nas formas atonas e na sua distribuigao em frases complexas: quando sao realizados em mesoclise, como mostra o exemplo: Enviar-te-ei um convite. Outro grande problema para um estudante de portugues e o uso do artigo definido ou indefinido. A abordagem diacronica e apresentada por Maria Teresa Brocardo e a abordagem sincronica por Clara Nunes Correia. A situagao na lingua eslovena e descrita por Mojca Medvedšek. O uso do artigo indefinido para um estudante esloveno nao apresenta grandes dificuldades. O determinante artigo indefinido estabelece quer a relagao com o sistema de numerais quer com quantificadores como qualquer, algum, nenhum, como em esloveno. O exemplo encontrei um rapaz na praia mostra essa ambiguidade tanto em portugues como em esloveno. As duas li'nguas tem a mesma possibilidade de pluralizagao do indefinido um como indefinido ou como numeral - uns/ alguns vinhos. Para um usuario de li'ngua portuguesa esloveno a verdadeira dificuldade reside no uso do artigo definido. Em esloveno nao ha marcas especificas para os determinantes artigos definidos, sendo a expressao do determinante defi-nido feita em esloveno atraves de outros determinantes, como por exemplo o demonstrativo. Talvez nao seja o mais importante o facto de que em algumas ocorrencias de definidos no portugues do Brasil o uso dos determinantes pode apresentar diferengas, salientando-se aqui a nao ocorrencia de definido com o possessivo, ou a nao especificagao pelo definido de nomes propios de pessoas. Um estudante deve aprender que as expressÖes nominais sao, pela regra geral, especificadas atraves de um conjunto de formas lingui'sticas que se integram na classe dos determinantes e que o uso deles e obrigatorio, quer para marcar o valor de unicidade quer para marcar o valor de classificagao ou de especifi-cagao: a Prof. Correia cita os exemplos pertinentes O homem e mortal e Estä ali o homem para falar contigo. Considero extremamente util do ponto de vista de um estudante a nota final sobre um + os nomes que ocorrem como modificado-res nominais que podem ocupar uma posigao posposta ou anteposta ao nome. A Prof. Correia explica os exemplos Vi uma certa pessoa e Encontrei uma pessoa certa, dando conta de valores de um diferentes quando o adjetivo ocupa a po-sigao pos-nominal ou pre-nominal. A posigao do adjetivo (pos e pre-nominal) provoca interpretagÖes diferentes tambem em italiano: una semplice questione significa 'so uma pergunta, somente uma pergunta' enquanto una questione semplice significa 'uma pergunta simples, nada difi'cil'. A lingua eslovena nao per-mite essa deslocagao: a posigao de adjetivo explicando uma valor qualitativo e sempre pre-nominal. Finalmente, o manual toma em linha de conta que os estudos, nao so dos determinantes, devem ser inclui'dos no estudo mais vasto dos mecanismos cons-trutores de referencia, isto e, dos mecanismos que as li'nguas tem disponi'veis para que possamos representar o mundo que nos rodeia. No final do manual encontra-se um conto da escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andersen, Homero, seguido da uma tradugao exemplar das Blažka Müller Pograjc e Mojca Medvedšek. Uma leitura de Homero precede o texto original, bem como uma analise linguistica exaustiva, onde entre outras analises encontramos a explicagao dos valores do preterito imperfeito e pre-terito perfeito simples. Como sabemos, o esloveno nao conhece a distingao aspetual entre os dois tempos do passado, pelo que usa so o valor aspetual do verbo para marca-la. O manual termina com Referencias bibliogräficas extensas, onde encontramos as obras citadas nos artigos. Na maioria dos casos sao as obras que tratam os mesmos topicos, tanto nas linguas romanicas como em portugues, e as obras dos linguistas eslovenos que analisam os mesmos problemas linguisticos em esloveno. A curta presentagao das investigadoras que colaboraram no proje-to bilateral da a conhecer o grupo de investigagao esloveno-portugues. Este manual e o primeiro fruto concreto da colaboragao intensa entre duas insti-tuigoes universitarias e representa o primeiro intercambio cientifico e pessoal frutifero entre ambos paises. Esperemos que o projeto e o manual como tais motivem novas vertentes de investigagao e futuras formas de cooperagao. Gostava de repetir que o manual foi concebido como uma apresentagao basica dos topicos da gramatica da lingua portuguesa e a sua comparagao com a lingua eslovena dentro do sistema morfossintatico. As minhas observagoes tocaram este aspeto. Com o desejo de que as ilustres linguistas no futuro continuem com analises contrastivas tambem em areas da lingua, nas duas linguas, gosta-ria de comentar pelo menos um problema da area do vocabulario. Nao e provavel que o portugues tivesse transmitido qualquer coisa ao esloveno. Por uma razao sinistra, deixem-me citar o avtodafe ou COLUBRA em latim, que se transforma em cobra (pt., cast.). O termo para o reptil ofidio em esloveno e kobra, porem o frances nao conhece a omissao da silaba nao acen-tuada em couleuvre. Ha uma caracteristica lexical que e demasiado interessante para nao expo-la: a denominagao dos dias da semana. Os portugueses obviamente deixaram a denominagao respeitosa dos deuses latinos relacionada com os dias e, em vez de celebrar o dia da deusa da beleza e do amor, escolheram a maneira mais prosaica de contar: sexta-feira. O esloveno, tal como as outras linguas esla-vas, tambem escolheu essa possibilidade de contar os dias, em lingua eslovena o četrtek e 'o quarto dia da semana'. Mas essa proximidade e so aparente. Escrevendo o presente artigo em 2014, posso dizer que um jornalista esloveno pode traduzir/escrever, tentando transmitir a informagao de maneira seguin-te: o jogo tera lugar em 'petek', como tradugao de 'quinta-feira'. Petek em esloveno significa 'o quinto dia da semana', e o significado nao corresponde a expressao quinta-feira. A correspondencia e so aparente, parecida so pelo facto de que as duas li'nguas contam os dias. Em li'nguas romanicas e a tradigao do latim e nas germanicas trata-se, na maioria dos casos, dos calques. Os eslavos tinham retomado essa denominagao nominal depois de se tornarem cristaos nos anos 500 e celebrarem DIES DOMINICUS como dia santo e ao mesmo tempo o ultimo dia da semana. O arabe, nesse sentido, segue a mesma logica que a lingua portuguesa: o sabbath tinha persistido no arabe e a contagem comega no dia que o segue, de acordo com o uso da Vulgata onde podemos ler: Sero au-tem post sabbatum, cum illucesceret in prima sabbati, venit Maria Magdalena et altra Maria videre sepulcrum, Mateus, 28,1. A tradugao para o castelhano diz: Pasado el sabado, ya para amanecer el dia primero de la semana, vino Maria Magdalena, con la otra Maria. Nao e possi'vel que o arabe tivesse imposto o seu proprio sistema a lingua portuguesa. O castelhano nao conhece esse tipo de denominagao e o arabe estava muito menos presente como lingua dominante, embora se usasse como lingua de cultura. De todas formas, a influencia arabe so era possi'vel a partir de se-culo VIII ou IX. Na Historia Concisa de Portugal, Jose Hermano Saraiva diz (7® edigao, p. 32): »O unico idioma neolatino donde foi possi'vel suprimir comple-tamente a nomenclatura baseada na mitologia paga foi o portugues: secunda, tertia, quarta feria _ (post sabbatum) eram expressoes de origem liturgica«. O autor citado esqueceu-se de que a origem liturgica segue o padrao judaico e a prova encontra-se tanto nos quatro evangelhos como no citado evangelho de Mateus. Para os Judeus, o dia do Senhor era o sabath - e o dia que se seguia a este 'o primeiro dia'. Nas li'nguas romanicas esta denominagao nao persistiu por causa da implantagao do domingo, dimanche, domenica, e resulta que a lingua portuguesa foi a unica que preservou o sistema da denominagao judaica. Este sistema ter-se-a inserido ja na epoca da dominagao romana da Peninsula Iberica, no tempo das migragoes das fortes comunidades judaicas, ou em epo-cas ainda anteriores, quando no ano 70 d. C. os Romanos tinham assaltado e queimado Jerusalem, escravizando a populagao da cidade ou causando o exi'lio. A comunidade judaica no tempo dos Romanos era ou tolerada ou perseguida. Ja no tempo dos Visigodos, os Judeus tornaram-se a elite cultural por causa das escolas em qualquer parte da Europa. Permitam-me no final deste texto citar um pequeno trecho da historia intelec-tual da Peninsula Iberica e do povo Judeu. Baruch Espinoza, um grande filo-sofo do seculo XVII, nasceu em 1632 em Amesterdao no seio de uma fami'lia judaica portuguesa, descendente de Judeus que tinham sido perseguidos no tempo da Inquisigao e tinham buscado exi'lio em pai'ses mais tolerantes como Holanda e Alemanha. Espinoza terminou a escola da comunidade judaica por-tuguesa, o que prova a existencia e a tradigao das escolas judaicas em Portugal, a sua importancia e o alto ni'vel cultural que tinham. E atraves deste pormenor que podemos entender que o domingo no mundo catolico portugues persistiu como o dia santo, dedicado ao senhor, mas que o dia seguinte tomou o nome observando o sistema judaico - segunda-feira. Mitja Skubic Universidade de Ljubljana Tradugao: Blažka Müller Pograjc, Mojca Medvedšek